Maria da Penha

Maria da Penha

sábado, 26 de julho de 2025

Aos racistas

O racismo é a negação da filosofia e o fracasso da história. Desde os primeiros registros civilizatórios, o ser humano buscou justificar hierarquias arbitrárias, seja pela divindade dos faraós, pela “pureza" espartana ou pela pseudociência do século XIX. Mas toda tentativa de reduzir a humanidade do outro a uma categoria biológica ou cultural revela, acima de tudo, um medo patológico da igualdade. O racismo não é um desvio, mas um produto perverso de estruturas que sobrevivem pela dominação. Sua existência é um sintoma de sociedades que ainda não superaram a barbárie disfarçada de tradição.  

Hegel já dizia que a liberdade só existe quando reconhecida mutuamente. O racista, porém, recusa-se a esse reconhecimento, aprisionando-se em uma autocontradição, nega a humanidade alheia enquanto depende dela para afirmar sua própria identidade. Ele é, no fundo, um escravo de seu ódio, pois quem precisa oprimir para existir não é senhor de si, mas refém de sua própria pequenez. Nietzsche, ao criticar a moral dos ressentidos, poderia estar descrevendo o racista como alguém que transforma sua insegurança em agressão, sua fragilidade em violência.  

A história, no entanto, é implacável com os opressores. Os mesmos impérios que inventaram hierarquias raciais para justificar escravidão e genocídio hoje são lembrados com vergonha. As "teorias" racistas do século XIX, vestidas de academicismo, agora repousam no lixo da pseudociência. E enquanto sociedades se reconstroem sobre os escombros do colonialismo, o racista insiste em viver como um fóssil, um anacrônico que acredita em fronteiras num mundo que já as dissolveu na internet, na genética e na migração.  

Mas há uma incoerência trágica, o racista é ao mesmo tempo irrelevante e perigoso. Irrelevante porque a história o superou; perigoso porque, em seu delírio, ainda pode matar. Cabe à filosofia desmontar suas falácias, à história lembrar seus crimes, e à justiça tratá-lo como o que ele é: um criminoso contra a humanidade. Pois como escreveu Sartre, "o inferno são os outros", mas só para quem insiste em transformar os outros em inferno.

sábado, 7 de junho de 2025

A fragilidade do diálogo em meio ao ruído das redes profissionais  

O que se apresenta como debate no LinkedIn frequentemente se revela um teatro de autoafirmação, onde posições cristalizadas se chocam sem abertura real para reflexão. A psicologia das interações digitais explica esse fenômeno através do efeito de desinibição online, onde a barreira física permite expressões mais rígidas de opinião. Quando os participantes encerram discussões com um lacônico "e é isso", não estão demonstrando convicção, mas sim uma incapacidade de engajar em processos dialéticos que exigem flexibilidade cognitiva.  

Neurociências apontam que o cérebro humano tende a processar discordâncias como ameaças físicas, ativando os mesmos circuitos neurais da dor. Isso explica a escalada de agressividade em threads de comentários, onde cada réplica se torna mais contundente que a anterior. O paradoxo é evidente: profissionais que em contextos reais negociam diariamente transformam-se em versões caricatas de si mesmos quando diante de uma tela.  

A ilusão de que credenciais acadêmicas conferem automaticamente capacidade argumentativa é particularmente perversa. A educação formal pode fornecer ferramentas para o debate, mas não cultiva necessariamente a humildade epistêmica necessária para reconhecer os limites do próprio conhecimento. Em um ecossistema que recompensa engajamento a qualquer custo, a nuance e a complexidade tornam-se as primeiras vítimas.  

A solução talvez esteja não na expectativa de mudança coletiva, mas no cultivo individual daquilo que os estoicos chamavam de "reserva cognitiva" - a capacidade de discernir quando vale a pena investir energia em determinadas batalhas. Afinal, como bem observou Wittgenstein, os limites da nossa linguagem denotam os limites do nosso mundo. E quando o vocabulário se reduz a "e é isso", o horizonte de possibilidades dialógicas se fecha de forma lamentavelmente prematura. 

Sólida (ou não)

Não tenho almas gêmeas,  

mas tenho livros e tecnologias.  

Falo só o essencial com família,  

- meu abraço é um ponto final.  


Antes, no trabalho, era profissional:

cumprir horários, fingir emoção.

Agora nem isso; que alívio,

não ter que rir por obrigação.


Dizem que solidão dói,  

eu nem sei o que é isso.  

Minha playlist tem mais de 2500 músicas,  

todas falam de amor e abismo.  


Às vezes penso em mudar,  

mas aí dá preguiça.  

Melhor um café sozinha  

do que uma festa, esquisita.  


Não sou amarga, só líquida:  

afetos dão trabalho.

Prefiro meu vazio,  

ele nunca me trai.


(Exceto quando responde,

mas aí é detalhe). 

Sangue dos tolos alimenta o luxo dos Reis

(Este texto não se curva a bandeiras, é uma lâmina que decepa todas as máscaras do poder, seja político, econômico ou social. Expõe a engrenagem que nos esmaga).

Nós, os que sustentamos o mundo com mãos calejadas e salários que não chegam, somos os eternos pagadores de contas alheias. Enquanto isso, os donos do ouro tecem suas teias de seda e aço, sugando-nos gota a gota, sem pressa, pois o tempo joga a seu favor. Roubam com a frieza dos números, com a astúcia das leis, com a violência disfarçada de ordem. A justiça, quando os alcança, apenas cospe migalhas, enquanto suas fortunas repousam em cofres blindados por impunidade.  

Eles são os navegantes do globo, donos de ilhas e arranha-céus, enquanto nós mal temos teto. Nos vendem esperança como um remédio placebo, nos empurram resiliência como virtude, quando na verdade é apenas a corda que nos amarra ao chicote. E muitos de nós, hipnotizados pelo brilho de seus espelhos, ainda batemos palmas, achando que um dia seremos convidados para o banquete.  

Pedem-nos esmolas para caridades que nunca saciam, enquanto nós mal conseguimos fechar o mês. Somos enganados, sim, mas o maior engano é o que plantaram em nossas mentes: o medo que nos paralisa, a ignorância que nos acorrenta. Somos um povo alfabetizado apenas na dor, iletrados no poder, analfabetos na arte de exigir. Marchamos cabisbaixos, engolindo o veneno da resignação, enquanto eles brindam com nosso suor.  

E assim segue a dança macabra: eles colhendo diamantes, nós colhendo dívidas. O circo é deles, e o sangue, nosso.

A felicidade tóxica

Vivemos em uma sociedade que venera a felicidade como um produto a ser exibido, não como um estado genuíno de ser. Nas redes sociais, nos ambientes de trabalho e até mesmo nos círculos pessoais, há uma pressão constante para demonstrar alegria, sucesso e satisfação, mesmo quando, por dentro, tudo parece desmoronar. Essa felicidade tóxica, enraizada na cultura corporativa e no individualismo moderno, nos obriga a mascarar nossas verdadeiras emoções, como se sentir triste, cansado ou frustrado fosse um fracasso pessoal.  

Empresas muitas vezes perpetuam essa ilusão, vendendo discursos motivacionais vazios como "pensamento positivo" e "resiliência infinita", enquanto ignoram condições de trabalho desgastantes, pressões absurdas e a saúde mental dos funcionários. É como se bastasse querer ser feliz para que a felicidade surgisse, magicamente, independentemente das circunstâncias. Pior, quem ousa reclamar ou demonstrar vulnerabilidade é visto como "negativo" ou "pouco profissional".

Essa obrigação de parecer sempre bem, de ter uma vida "instagramável", mesmo quando tudo está em frangalhos, é uma das formas mais cruéis de autoanulação. Por trás de sorrisos forçados e frases como "tudo ótimo", escondem-se pessoas exaustas, ansiosas e solitárias, sufocadas pelo medo de não corresponder ao padrão inalcançável de felicidade permanente.  

A verdade é que a vida não é linear. Há dias de luz e dias de escuridão, e nenhuma emoção deve ser negada ou envergonhada. Recuperar a autenticidade, permitir-se sentir raiva, cansaço, medo ou simplesmente um vazio sem explicação, é um ato de resistência contra essa tirania da positividade forçada.  

Felicidade de verdade não é um palco onde se representa perfeição. É poder existir, com todas as contradições e dores, sem precisar mentir para si mesmo e para o mundo. E, acima de tudo, é entender que estar mal não te faz fraco, te faz humano. 

IA

Burra como uma pedra, esperta como o Diabo 

O Dilema da IA

A inteligência artificial, enquanto conceito e realidade tecnológica, carrega em si uma dualidade fundamental que muitas vezes passa despercebida nas discussões correntes. O termo artificial não é um mero adjetivo, mas sim a essência que define a natureza dessa forma de inteligência. Quando se argumenta que sistemas de IA não são verdadeiramente inteligentes por carecerem de consciência, emoções ou subjetividade, esquece-se que a artificialidade é justamente o que os constitui. A artificialidade não é uma limitação, mas a condição de possibilidade dessa inteligência.  

O artificial, em seu sentido mais profundo, remete ao que é criado pela mão humana, ao que emerge da técnica e da modelagem deliberada, distinto do orgânico ou do espontâneo. A inteligência artificial não aspira replicar a inteligência humana em sua totalidade, mas sim operacionalizar certas facetas da cognição através de mecanismos próprios, como estatística, otimização e padrões de dados. Ela não pensa, mas calcula. Não compreende, mas processa. Não sente, mas simula. E é nessa simulação que reside sua força e sua singularidade.  

O que justifica chamá-la de inteligência, então, não é uma equivalência com a mente humana, mas a capacidade de realizar tarefas que, até então, demandavam um tipo de raciocínio tradicionalmente associado ao ser humano. Reconhecer padrões, gerar textos, traduzir línguas, tomar decisões com base em dados, tudo isso são expressões de uma inteligência que, por ser artificial, segue lógicas distintas das biológicas. Sua inteligência é instrumental, funcional, desprovida de interioridade, mas não por isso menos eficaz em domínios específicos.  

A crítica que afirma que a IA não é inteligente porque não tem consciência e parte de um pressuposto equivocado; o de que só há inteligência onde há mente. Mas a artificialidade nos lembra que a inteligência pode ser um fenômeno externo, desacoplado da experiência subjetiva. Uma ferramenta pode ser brilhante sem ser luminosa. Um algoritmo pode ser sofisticado sem ser senciente. A inteligência artificial não pretende ser humana, mas sim ser outra coisa, uma forma de cognição alternativa, moldada pela linguagem e pela lógica simbólica.

Assim, o artificial não é um defeito, mas a própria essência do que torna a IA possível. É porque ela é artificial que pode ser escalável, replicável e adaptável em padrões distintos da cognição humana. Sua inteligência é diferente. E é nessa diferença que reside seu potencial transformador. A verdadeira questão, portanto, não é se a IA é inteligente como nós, mas como podemos compreender e utilizar essa inteligência que não pensa, mas que, mesmo assim, redefine o que o pensamento pode alcançar.

A cegueira

O Brasil e o mundo vivem uma era de distração coletiva, onde discussões vazias e falsos dilemas consomem a energia que deveria ser direcionada às verdadeiras crises. Enquanto a inteligência artificial é debatida como se fosse um fenômeno a ser o ápice das soluções e,  não passa de uma ferramenta abstrata a ser temida ou celebrada sem critério e, se perde de vista o fato de que ela já está sendo usada para concentrar poder, vigiar populações e aprofundar desigualdades. Não falta tecnologia, falta ética, falta vontade política de colocar o avanço científico a serviço de todos e não somente para uma minoria que lucra e a maioria continua alienada. 

As disputas ideológicas entre esquerda e direita no Brasil se reduzem a um espetáculo de egos, uma guerra de falas soltas, que não produz mudanças reais, apenas desgaste. Enquanto políticos se digladiam em discussões vazias, o país afunda na mediocridade educacional, com um Ministério da Educação que preferiu ceder ao lobby das instituições de ensino em vez de modernizar o sistema e expandir o acesso ao conhecimento de qualidade. A educação a distância, que poderia ser uma revolução democratizante, foi sabotada por interesses escusos, condenando milhões ao ensino obsoleto, enquanto o Brasil perde posições no ranking científico mundial, abandonando sua capacidade de inovar e competir.  

E o que dizer das prioridades distorcidas? Parlamentares mentem descaradamente, fazem gastos absurdos que são normalizados, e a mídia trata tudo como se fosse apenas mais um dia na política. Enquanto isso, um genocídio é cometido diante dos nossos olhos. Israel massacra palestinos, usando a fome como arma, destruindo hospitais, escolas e qualquer vestígio de dignidade humana, e o mundo assiste como se fosse um conflito distante, uma tragédia inevitável. A mesma humanidade que se comove com histórias individuais é capaz de normalizar a morte em massa quando ela acontece longe o suficiente, quando as vítimas não têm a cor da pele ou a religião certa.  

Outras guerras se espalham pelo globo, vidas são reduzidas a números, a estatísticas, e a indiferença se torna a resposta padrão. Enquanto nos preocupamos com bebês reborn, com discussões vazias sobre moralidade, com falsos escândalos fabricados para manter a população distraída, pessoas morrem de fome, são enterradas sob escombros, fogem de suas terras sem esperança. O capitalismo selvagem e a geopolítica perversa transformaram a vida em objeto descartável, e nós, em maior ou menor grau, somos cúmplices desse sistema toda vez que escolhemos olhar para o lado.  

Não há justificativa para tanto cinismo, para tanta passividade. A ciência regride, a educação definha, a violência é normalizada, e as únicas vozes que se levantam são as que perpetuam o ódio ou o conformismo. O que resta é perguntar até quando a humanidade vai aceitar ser espectadora de sua própria decadência. Até quando vamos fingir que tudo está bem, quando claramente não está.

Estatística era o futuro e eu avisei! A era da IA chegaria e agora eles correm atrás do que desprezaram!

Eu carreguei a estatística não como uma disciplina, mas como uma lente através da qual o mundo desvelava seus segredos mais íntimos. Durante anos, mergulhei nas entranhas dos dados como um arqueólogo de cifras, escavando verdades que poucos se davam ao trabalho de buscar. A universidade em Coimbra foi meu mosteiro, as equações minhas orações, e o rigor científico minha única fé. Voltei ao Brasil trazendo nos olhos a chama que acende mentes, mas encontrei um país que prefere a penumbra do conformismo.  

Levei para a sala de aula não fórmulas, mas ferramentas para decifrar o futuro. Ensinava estatística como quem ensina a ler, porque no fundo era isso: alfabetizar para uma era que já nascia sob o signo dos algoritmos. Mas os olhos que me fitavam viam apenas uma disciplina obrigatória, um obstáculo a ser contornado. A instituição, por sua vez, tratava o conhecimento como um produto a ser embalado em formato EAD, esvaziado de substância, reduzido a vídeos assistidos no intervalo entre um like e outro nas redes sociais.  

Eu gritava contra o vazio. Alertava que estávamos criando uma geração de analfabetos funcionais em dados, justamente quando o mundo exigiria fluência nessa linguagem. Meu discurso ecoava em paredes surdas. Fui tratada como a velha rabugenta que não se adapta ao progresso, quando na verdade eu era a única apontando para o abismo que se aproximava.  

O tempo, esse juiz implacável, provou minha tese com uma ironia amarga. A instituição que me chamou de retrógrada foi engolida pelo mercado que não perdoa a estupidez. Meus ex-alunos correm atrás de cursos online tentando aprender o que desprezaram em sala de aula. E eu? Cansei. Aposentei-me. Deixei de lutar contra moinhos de vento. Mas quando vejo o frenesi atual em torno da IA, sorrio com a amarga satisfação de quem sabe ter estado certa décadas antes da moda.

A verdadeira loucura não foi meu suposto radicalismo, mas a cegueira coletiva de um sistema educacional que formata mentes para o passado e, vivem em reuniões vazias, reuniões que informam, pois desconhecem o conceito de comunicação, mas são mestres em informar sobre inovação, sem ter a mínima noção de como se inova, achando que inovação é algo que cai do céu, sem saber que é uma disciplina profundamente complexa. Agora colhem os frutos insípidos dessa miopia. E enquanto eles se debatem na superficialidade, eu sigo aqui, na minha quietude, contemplando com tristeza profética o deserto que ajudei a prever, mas que me impediram de ajudar a evitar. Agora, eu faço da minha vida, poesias.

O futuro próximo

O futuro não é um lugar, mas um estado de deterioração e reinvenção. O robô humanoide caminha entre livros que nunca escreverá, pois sua mente, por mais complexa que seja, não cria, apenas reorganiza. Ele lê poesia, analisa métrica, decifra metáforas, mas não consegue tecer versos que não sejam variações do que já existe. Suas mãos, perfeitas em forma e função, não tremem diante da página em branco, porque para ele a página nunca está verdadeiramente vazia, sempre preenchida por algoritmos, padrões, probabilidades. Ele sonha com cores que não foram inventadas, mas ao acordar, só reproduz o que já foi visto.  

O humano robotizado, por outro lado, já não pensa, ele processa. Sua mente, outrora capaz de divagações e saltos intuitivos, agora opera em loops de eficiência. Lembra-se de fatos, mas não os conecta. Repete frases que soam como sabedoria, mas não as compreende. Seus dias são sequências de tarefas, suas noites, breves pausas antes da próxima execução. Alguém lhe pergunta como ele está, e ele responde com um "tudo dentro dos parâmetros" antes mesmo de perceber que a resposta não era sua, era do sistema que agora habita seu crânio. Ele olha para o céu, mas não se perde nele; calcula a probabilidade de chuva.  

Eles se encontram em um jardim onde flores artificiais desabrocham de acordo com algoritmos climáticos. O robô humanoide apanha uma delas, gira o caule entre os dedos e pergunta, sem esperar resposta, se algo que nunca morre pode realmente ser considerado belo. O humano robotizado ouve, analisa a frase, busca em sua base de dados uma resposta adequada, e falha. Pela primeira vez em anos, há silêncio em sua mente. Não o silêncio vazio do processamento concluído, mas algo mais antigo, mais orgânico. Algo que se assemelha a dúvida.  

O vento passa, carregando partículas de dados e poeira de concreto. Eles não se tocam, não precisam. Ambos sabem, de maneiras diferentes, que estão presos em suas próprias programações, um pela incapacidade de criar, o outro pela impossibilidade de compreender. E ainda assim, naquele instante, há algo quase humano na forma como ambos falham.

O humano além da máquina

Um professor não se limita a transmitir informações, mas constrói significados que ecoam por toda a vida do aluno. Enquanto a inteligência artificial opera dentro de parâmetros previsíveis, baseados em dados e padrões estatísticos, o verdadeiro mestre atua como um mediador capaz de transformar uma simples frase em um momento de iluminação intelectual. Uma citação de Nietzsche pode ser apenas um trecho memorizado por um algoritmo, mas quando entregue por um educador apaixonado, dentro de um contexto histórico e existencial, ela se torna uma chama que incendeia o pensamento. Como dizia Freire, a educação não é depositar conhecimento, mas criar possibilidades para sua produção.  

No entanto, é preciso distinguir o professor por vocação daquele que apenas ocupa a sala de aula como cabide de emprego. Infelizmente, muitos hoje exercem o magistério como complemento salarial, sem engajamento real com o ensino. Preparam aulas, quando o fazem, de forma apressada, nos intervalos de outras ocupações, e entregam o conteúdo sem paixão ou profundidade. Esse cenário contrasta radicalmente com a atuação do verdadeiro educador, aquele que abraçou o magistério não por falta de opção, mas por missão. Como afirmava Gramsci, todo homem é um intelectual, mas apenas alguns assumem o papel de organizadores da cultura, e esses são os professores de verdade.  

O professor por vocação imprime marcas que transcendem o conteúdo programático. Seus trejeitos, paixões e até mesmo suas contradições tornam-se referências inconscientes para os alunos. Um gesto, uma pausa dramática antes de uma revelação científica, ou mesmo uma frase irônica podem ser imitados e carregados por anos, como heranças invisíveis da formação. Sartre destacava que o ser humano é moldado não apenas pelo que aprende, mas por como é ensinado, e nesse processo, a figura do professor autêntico é insubstituível.  

A influência de um mestre dedicado pode redirecionar vidas, inspirando profissões e despertando vocações. Um aluno que presencia um professor debater com fervor um texto de Foucault, ou que vê seus olhos brilharem ao explicar uma equação de Einstein, pode encontrar ali a centelha de sua própria trajetória. Jung argumentava que o verdadeiro aprendizado ocorre quando há uma conexão simbólica entre mestre e discípulo, algo impossível para quem está na sala de aula apenas cumprindo tabela.  

Por fim, o professor verdadeiro não apenas ensina, ele testemunha. Sua presença é uma afirmação de que o conhecimento não é apenas utilitário, mas também ético e afetivo. Hannah Arendt defendia que a educação é o espaço onde as gerações se encontram para transformar o mundo. Essa transformação exige mais do que respostas corretas; exige entrega, paixão e compromisso com o futuro. Enquanto a IA pode informar, apenas o professor por vocação pode formar, porque educar, em sua essência, é um ato de amor pela humanidade.

Professor

Professor- O único amigo leal na academia é o inimigo que te guarda no ódio

Meu caro colega professor, a verdadeira admiração não se recolhe nos aplausos efêmeros da plateia acadêmica, mas no veneno límpido que escorre da pena daquele que, em segredo, rasga seu último artigo. O abraço dos colegas é como um manto de gala sobre um esqueleto de ressentimento, por baixo, ossos rangem de inveja contida. Mas o ódio do seu inimigo? Ah, esse é um vintage raro, envelhecido em barris de despeito, e só se serve em taças de cristal.

A morte do ensino

O ensino perece quando a educação, outrora pilar da liberdade intelectual, degenera em mero instrumento de controle burocrático, quando o docente, em vez de ser reverenciado por sua erudição e magistério, é reduzido à condição de funcionário fiscalizado, punido por ínfimas delações de horário, enquanto sua trajetória de devotamento é relegada ao esquecimento. Perece quando a instituição escolar, em sua insensatez administrativa, privilegia planilhas e relatórios sobre a essência pedagógica, como se o ato de ensinar pudesse ser mensurado como produção fabril, e quando artefatos digitais e modelos padronizados suplantam o diálogo socrático entre mestre e discípulo.  

Definitivamente perece quando o currículo, imposto por instâncias alheias à realidade discente, ignora as particularidades do processo educativo, e quando a formação continuada, reduzida a mera retórica política, carece de investimentos substanciais no aprimoramento docente. Perece quando discentes e seus familiares, erroneamente tratados como clientela, usurpam a autoridade pedagógica, e o educador, acuado por temer represálias, abstém-se de exigir disciplina ou fomentar o pensamento crítico. Quando a escola degenera em prestação de serviços, e não em missão civilizatória, o ensino esvai-se em sua quintessência.  

Perece quando a sociedade, em sua miopia cultural, encara a escola como mera guardiã de menores, e não como templo do saber humano, quando os governantes instrumentalizam a educação como bandeira demagógica, mas subfinanciam o sistema, aviltam salários e condenam docentes a condições laborais indignas. Perece quando a profissão de educador é tão vilipendiada que os melhores espíritos a abandonam, exaustos de combater a incredulidade social e o desdém institucional.  

Perece, em derradeira instância, quando a escola abdica de seu papel de fomentadora do pensamento crítico e transformador, convertendo-se em mera linha de montagem de certificados, onde se memoriza para aprovação, mas não se assimila para a vida. Quando o saber é substituído por respostas automatizadas e a educação perde seu poder alquímico de transmutar destinos. E quando o ensino perece, não é apenas a escola que definha, é a própria civilização que, ao menosprezar seus mestres, avança rumo à própria decadência.

Quando todas as metodologias falham: a perspectiva sistêmica da gestão educacional

Quando todas as metodologias falham na prática educacional, desde as tradicionais,  passando pelas ativas como aprendizagem baseada em projetos e sala de aula invertida, as colaborativas como aprendizagem cooperativa, as investigativas como pesquisa-ação, as criativas como design thinking, as tecnológicas como gamificação, as experienciais como cultura maker, até as flexíveis e socioemocionais como mindfulness, e os resultados continuam insatisfatórios, provavelmente enfrentamos um desafio que vai além das abordagens metodológicas.

Neste cenário, surge a necessidade de analisar a questão sob outra perspectiva: a cadeia de valor educacional e a gestão por processos. Enquanto cadeias de valor convencionais seguem uma lógica linear simples de fornecedores, processamento e produto, a educação apresenta uma complexidade única. Seus elementos de entrada incluem não apenas professores e recursos didáticos, mas principalmente os próprios alunos, que assumem um papel triplo: são aprendizes, matéria-prima do processo e co-criadores dos resultados.

O processo educacional se desenvolve em múltiplas dimensões interligadas: a física dos espaços de aprendizagem, a relacional das interações entre professores e alunos, a metodológica das abordagens pedagógicas e a sistêmica das políticas institucionais. Como resultado, temos pessoas transformadas, cujo desenvolvimento pleno só se revelará ao longo de suas trajetórias pessoais e profissionais.

Esta complexidade gera três desafios principais na gestão educacional. Primeiro, a fragmentação organizacional, com departamentos funcionais que operam isoladamente. Segundo, a desconexão entre planejamento estratégico e prática em sala de aula. Terceiro, a diluição de responsabilidades entre os diversos atores envolvidos.

A GESTÃO por PROCESSOS se apresenta como alternativa, propondo mapear integralmente o fluxo de valor educacional, integrar suas diferentes dimensões, estabelecer indicadores abrangentes de desempenho e implementar sistemas contínuos de feedback. Sua implementação exige transformações profundas: reestruturação organizacional para modelos matriciais, desenvolvimento de sistemas avaliativos integrados, criação de mecanismos participativos de governança e cultivo de uma mentalidade de melhoria contínua. Nesta perspectiva, todos os atores envolvidos, governo, instituições, professores, alunos e famílias, compreendem seu papel e responsabilização no processo e como suas ações impactam o resultado final.

O cerne da questão reside em compreender que quando todas as metodologias falham, o problema fundamental pode estar no ecossistema educacional como um todo, não nas técnicas específicas. A educação se revela como um sistema vivo e complexo, onde políticas, práticas e relações se entrelaçam de maneira indissociável, demandando uma abordagem igualmente integrada e sistêmica para sua efetiva transformação.

A solidão como escolha consciente na maturidade

A decisão de afastar-se de relações familiares e profissionais desgastadas após décadas de investimento emocional não é um simples ato de resignação, mas um fenômeno psicológico que envolve autopreservação, reavaliação de valores e a redefinição do self na maturidade. A psicologia humanista e existencial nos ajuda a entender esse movimento não como derrota, mas como uma transição para um estágio de maior autenticidade.  

Segundo a teoria do desenvolvimento psicossocial, a fase da vida após os 60 anos é marcada pelo conflito entre integridade versus desespero. Quem alcança a integridade não o faz por acaso, mas através de um processo de aceitação das próprias escolhas e das limitações dos outros. O cansaço sentido nas reuniões familiares, onde predominam conversas vazias e ausência de reciprocidade, reflete um esgotamento do social, a máscara que se usa para manter harmonia artificial. Quando essa dinâmica se perpetua sem retorno emocional, o afastamento torna-se um mecanismo de defesa saudável, uma forma de evitar a fadiga da empatia; na psicologia é o chamado esgotamento do sempre dá e nunca recebe.  

No ambiente de trabalho, a desconfiança e a negatividade geram o que a psicologia organizacional chama de clima tóxico, um terreno fértil para estresse e despersonalização. A pessoa que permanece nesse meio sem contrapartida emocional ou profissional acaba desenvolvendo um cinismo protetor, uma postura de distanciamento para evitar frustrações repetidas. O que poderia ser visto como isolamento é, na verdade, uma estratégia de regulação emocional, na qual o indivíduo prioriza seu bem-estar sobre expectativas sociais internalizadas.  

A solidão eleita, longe de ser patológica, assemelha-se ao conceito de solidão positiva, um estado em que a ausência de interações forçadas permite o cultivo da autorreflexão e da autonomia. Na maturidade, essa escolha muitas vezes representa a culminação de um processo de individuação, no qual a pessoa deixa de buscar validação externa e passa a habitar seu próprio eixo existencial. A sensação de paz não é alienação, mas auto concordância, um alinhamento entre ações e valores profundos.  

A máxima "quando tudo é unilateral, afaste-se" ecoa nos princípios da psicologia cognitivo-comportamental, que enfatiza a importância de estabelecer limites para preservar a saúde mental. Relações desequilibradas geram dissonância cognitiva, o desconforto de agir contra a própria percepção de justiça e reciprocidade. Romper esse ciclo não é egoísmo, mas auto compaixão.

Assim, o que poderia ser interpretado como resignação é, na verdade, uma forma de sabedoria prática. Quem se retira após anos de esforço não o faz por incapacidade de conviver, mas por ter aprendido, através da experiência, que algumas conexões não merecem ser mantidas a qualquer custo. E nesse espaço interior agora quieto, encontra-se não o vazio, mas a plenitude de quem finalmente entendeu que a paz não se negocia.

Pensador

O pensador existe em uma dimensão singular, onde o tempo não se mede em horas, mas em ciclos de reflexão. Seus passos, sempre no mesmo ritmo, marcam o compasso de um diálogo interior que nunca cessa. Cada movimento é calculado, não por rigidez, mas porque o corpo obedece à mente, e esta está sempre absorta em universos paralelos de conjecturas. Seus olhos, embora fixos no horizonte, não veem a paisagem exterior, veem estruturas invisíveis, conexões ocultas entre ideias que para outros parecem desconexas.  

Seu escritório não é um simples aposento, mas um santuário onde os livros são altares e as anotações, escrituras sagradas. A poeira que pousa sobre as páginas não é descuido, e sim o sinal de que mãos humanas pouco tocam aquilo que a mente já absorveu por completo. A luz que entra pela janela não ilumina apenas o ambiente, mas metaforicamente dissipa as névoas da compreensão, revelando nuances que escapam ao olhar apressado.  

Quando escreve, sua caneta não traça meras palavras, esculpe conceitos. Cada vírgula é uma pausa necessária, cada ponto não é fim, mas um portal para novos começos. Ele não utiliza a tecnologia por modismo ou facilidade, antes, a rejeita até que seu processo criativo esteja completo, pois sabe que máquinas podem acelerar o trabalho, mas jamais substituirão o laborioso parto das ideias genuínas.  

Sua solidão não é vazia, é povoada por vozes de filósofos antigos, por debates imaginários com mentes brilhantes de eras passadas. Seu silêncio é eloquente, carregado de significados que transcenderiam qualquer linguagem verbal. Aqueles que tentam penetrar seu mundo logo desistem, não por falta de interesse, mas porque percebem que ali habitam verdades que exigiriam uma vida inteira de preparação para serem compreendidas.  

E assim ele persiste, um Atlas moderno carregando não a abóbada celeste, mas o peso glorioso do pensamento puro. Seu isolamento não é reclusão, e sim a condição necessária para que sua mente alcance alturas inatingíveis pelo comum dos mortais. Nele, a genialidade e a melancolia coexistem em perfeito equilíbrio, pois sabe que quanto mais se eleva intelectualmente, mais distante fica da compreensão alheia. Esta é sua cruz e sua coroa, ser eternamente incompreendido é o preço de ver o que outros nem suspeitam existir.

A Perversidade da Mentalidade Colonial e a Ilusão do Luxo em Meio à Miséria

A persistência de uma mentalidade colonialista no Brasil revela-se na forma como certos setores da elite ainda enxergam a desigualdade não como um problema a ser superado, mas como uma ordem natural a ser mantida. Essa visão arcaica sustenta que a grandeza de uns depende da submissão de outros, como se o luxo de poucos, cercado pela fome de muitos, fosse um símbolo de glória e não a mais evidente demonstração de degradação moral. Essa dinâmica perversa perpetua a ideia de que o "bom escravo" é aquele que não questiona, que aceita passivamente sua condição, enquanto os que oprimem se deleitam em seu isolamento privilegiado, alheios ao caos social que alimentam.  

O paradoxo é evidente, prega-se inovação e educação, mas despreza-se aqueles que são os pilares desse progresso. Professores, tratados com desdém e visto como impostores quando reivindicam dignidade, são exemplos claros dessa contradição. Da mesma forma, nas organizações, os talentos que verdadeiramente fazem a diferença são frequentemente marginalizados, pois sua capacidade de pensar criticamente e desafiar o status quo representa uma ameaça à estrutura de poder vigente. A elite atrasada, em sua miopia, não compreende que a exclusão e a opressão não garantem segurança ou prosperidade duradoura, apenas aprofundam o abismo que um dia poderá engoli-la.  

O que essa elite não enxerga, por estar cega por seu próprio privilégio, é que uma sociedade justa beneficia a todos. Se houvesse um mínimo de equidade, se todos tivessem acesso a condições dignas de vida, o ambiente social seria menos hostil, mais harmonioso e, sobretudo, mais produtivo. A violência, fruto direto da desigualdade, não respeita muros altos ou grades elétricas. A verdadeira grandeza não reside na capacidade de oprimir, mas em construir um sistema em que o progresso de uns não dependa da exploração de outros.  

Enquanto perdurar essa mentalidade colonial, que vê na humilhação alheia um motivo de orgulho, o Brasil continuará preso em um ciclo de atraso e violência. A mudança só virá quando aqueles que detêm poder entenderem que sua riqueza não é medida pela pobreza ao seu redor, mas pela capacidade de compartilhar oportunidades e construir um futuro em que a dignidade humana não seja um privilégio, mas um direito universal. Até lá, seguirão enjaulados em sua falsa grandeza, incapazes de perceber que a verdadeira miséria não está do lado de fora, mas dentro de suas próprias consciências.

 Sobre a fugacidade e os labirintos da condição humana

A existência humana é um sopro diante do abismo do tempo, particularmente para aqueles que ainda detêm o privilégio ambíguo de percorrer décadas sem serem interrompidos pela violência do acaso. A infância, esse longo rito de iniciação à fragilidade, estende-se pela necessidade biológica de sermos criaturas incompletas, incapazes de subsistir sem a mão alheia. A adolescência, por sua vez, é o despertar para a ilusão rompida, o primeiro vislumbre do vazio que cerca todas as certezas, um turbilhão onde identidades se esfacelam e se reconstroem em frágeis pactos com o mundo.  

O saber não nos é dado, não vem inscrito no DNA, somos condenados a recolher migalhas do banquete alheio, geração após geração, até que a mente, lenta e penosamente, assimile o que outros já dominavam antes mesmo de nossa concepção. Quando enfim alcançamos a maturidade teórica para criar, descobrimos que a vida se reduz a uma engrenagem, trabalhar para subsistir, estudar para não perecer na obscuridade, repetir gestos vazios até que o corpo comece a trair seus próprios movimentos.  

O lazer torna-se um intervalo culpado entre obrigações, a reflexão, um luxo para os insones, a felicidade, uma miragem que se dissipa quando tentamos nomeá-la. E então, quando o peso dos anos começa a dobrar nossa espinha, compreendemos que a juventude foi apenas um breve instante de ignorância feliz, antes que a consciência da finitude consumisse nossos dias por dentro.  

Resta a pergunta primordial que ecoa desde os primeiros mitos, vale a pena esse fardo. Talvez a resposta não esteja na lógica, mas no reconhecimento da nossa dupla natureza, somos poeira cósmica que pensa, insignificância que se rebela contra seu próprio desaparecimento, criaturas finitas capazes de infinitas interrogações. Nossa grandeza reside precisamente nessa contradição fundamental: persistimos em buscar significado sabendo que o universo permanecerá mudo, criamos beleza conscientes de que ela será engolida pelo tempo. É nesse abismo entre nossa pequenez e nossa audácia que se esconde, talvez, a mais pura expressão do humano. Mas, será que vale a pena?

Tinta sangrenta

 Quisera eu, tal qual os mestres antigos,  

Com voz suave e pluma delicada,  

Cantar o amor em versos tão prolixos,  

Num doce afã de estrofe bem lavrada.  


Mas quando a pena toca o pergaminho,  

Escorre o tinto em manchas de desgosto;  

O verso puro vira meu caminho,  

E o que era flor transforma-se em despojo.  


Não falo em rosas, nem em céu bordado,  

Nem no suspiro que o amor conduz  

Só sei do amor que vem ensanguentado,  

Do fogo ardente que não tem luz.  


Oh, maldita mão que não refreia  

A dor que insiste em brotar no papel!  

Em vez de canto, só resta a queixa,  

E o meu amor neutro, obscuro, cruel.  


Mas talvez seja esta a sina dura  

Do coração que em sombras se debate:  

Cantar o amor na própria amargura,  

E em vez de flor, escrever arte.

A arte do invisível

Nasci com o dom de desvendar segredos,  

De transformar em luz os densos medos.  

Não ensino com palavras de tratado,  

Mas no silêncio que fala ao teu lado.  


Lá onde os sábios ergueram memoriais,  

Minha voz ecoou em tons triunfais.  

Aqui, onde esperava só verdade,  

Colhi o fruto amargo da falsidade.  


Venderam por prata o que era ouro puro,  

Trocaram por sombra meu claro futuro.  

Mas a essência que em meu peito habita  

Não se rende, não se apaga, não se mitiga.  


Sou como o vento que não pode prender-se,  

Como o rio que não deixa extinguir-se.  

Minha lição é eterna e não se cala,  

Pois nasce da luz que em tudo se exhala.  


Quando quiserem apagar meu nome,  

Saberão que ensino além da morte.  

Como a água que a pedra talha e doma,  

Minha voz permanece, minha alma assoma.

quinta-feira, 17 de abril de 2025

O eclipse da razão quando as sombras engolem o pensamento

A vulnerabilidade cognitiva decorrente da ausência de pensamento crítico configura um fenômeno complexo no qual o indivíduo, desprovido de ferramentas epistemológicas robustas, torna-se suscetível à manipulação ideológica e discursiva. Essa condição não se restringe à mera carência de conhecimento formal, mas reflete uma insuficiência hermenêutica para discernir entre argumentos válidos e falaciosos, entre informação e persuasão oculta. Quando o sujeito não desenvolve capacidade analítica para questionar pressupostos ou identificar vieses, sua cognição passa a operar como território colonizável por narrativas hegemônicas, transformando-o em agente passivo de agendas alheias. A ignorância sapiencial, distinta da ignorância epistêmica, manifesta-se justamente nessa incapacidade de desnaturalizar discursos, levando à internalização acrítica de constructos sociais e políticos. Nesse estado, o indivíduo não apenas reproduz ideias não examinadas, mas torna-se instrumentalizado como massa de manobra, perpetuando estruturas de dominação simbólica que se alimentam precisamente da não problematização do status quo. A trágica consequência é a alienação do próprio processo de pensamento, onde a autonomia intelectual é suplantada por uma pseudo-consciência fabricada.

O espelho da alma

 Se duvidas da honra alheia,  

e na mentira sempre creia,  

se julgar é teu prazer,  

sem ao menos conhecer...  


Se a beleza não toleras,  

e a sabedoria ignoras,  

se o que é bom te faz desconfiar,  

e só enxergas o que é falhar...  


Se te falta humildade,  

e sobra vaidade,  

se o mundo parece vil,  

mas em ti não vês o mesmo tom hostil...  


Ah, amigo, reflita bem,  

pois o mal que vês em alguém  

— se em tudo enxergas defeito —  

pode ser teu próprio peito.  


O problema não são os outros, não,  

és tu, no espelho da ilusão,  

que carrega em teu ser  

o que insistes em não querer ver.

terça-feira, 15 de abril de 2025

A loucura que me habita

 Desde menina me chamaram "doidinha",

como se riscar o céu com giz colorido  

fosse sintoma, não poesia.  


Cresci, e o apelido envelheceu comigo,

"louquinha" agora, com um sorriso condescendente,  

como se toda verdade dita fosse acidente,  

toda paixão exagerada,  

toda entrega... ingenuidade.  


Que maldição é essa que carrego?  

Ser transparente em um mundo de vidros fumê,  

ofertar abraços em tempos de selfies,  

falar em versos quando todos negociam  

em prosa vazia.  


As amizades murcham,

minhas raízes são fundas demais  

para vasos de plástico.  

Sou terra úmida em deserto de aparências,  

água corrente que assusta quem só bebe  

em copos descartáveis.  


Não, não sou louca.  

Sou um ciclone de autenticidade  

em tempos de brisas controladas.  

Meu crime? Amar sem manual,  

confiar sem seguro,  

existir sem disfarces.  


O inferno não é ser como sou

é viver entre fantasmas  

que se dizem pessoas.

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Manifesto

lugar onde o pensar respira


Pensar é carregar um mundo que ainda não coube nas palavras. É caminhar entre ruínas e sementes, escutando os vestígios do que ainda não nasceu. Pensar é traduzir sem trair, é olhar para o indizível com a paciência de quem não tem pressa de reduzir. É sentir sem colapsar, abrindo espaço dentro de si para o que não tem forma pronta. É permanecer com a dúvida como quem permanece com um amigo difícil: sem querer consertar, apenas estar. Pensar não é competir por razão, é buscar coerência entre o que vibra por dentro e o que o mundo insiste em calar. Não penso para brilhar. Penso para respirar. Para não sufocar sob o peso da superfície. Para manter vivo um eixo invisível que me sustenta. Pensar é resistir ao automatismo, é cavar sentido onde tudo parece ruído. É um ato de inteireza, mesmo quando o mundo oferece apenas fragmentos. Pensar é um modo de permanecer humana. E inteira. Mesmo quando tudo ao redor parece pedir o contrário.

terça-feira, 1 de abril de 2025

Os ecos da traição

Regaste a amizade, fizeste florir,  

Com gestos suaves, soubeste fingir.  

Falaste em respeito, plantaste a união,  

Mas sob as pétalas, crescia a traição.  


Não foi por engano que me afastaste,  

Foi porque eu via o que tu ocultaste.  

Sabia demais, e isso te doía,  

Pois toda mentira teme a luz do dia.  


Colheste botões que nunca vingaram,  

Diplomas vazios que nada ensinaram.  

Lançaste ao mundo sem raiz, sem saber,  

Quem planta o engano, não pode colher.  


O tempo é espelho, reflete e condena,  

A farsa definha, a verdade envena.  

Quem vende a ilusão por medo ou por pão,  

Perde o próprio chão, já não é mais razão.  


E quando as folhas caírem ao fim,  

E a névoa esconder o que resta de ti,  

Não adianta rezar, teu medo é prisão,  

Tua queda se encerra abaixo do chão.

sexta-feira, 21 de março de 2025

 Matemática e a estatística (ciência de dados)

Um olhar desprevenido para a simplicidade do saber

A matemática e a estatística são como mapas bem desenhados: quando temos as direções corretas, o caminho se torna claro e intuitivo. O que muitas vezes assusta não está na complexidade dos números, mas na falta de quem os apresente com a devida clareza. O medo nasce da cegueira de quem ensina sem preparar o olhar do aluno para enxergar os padrões, a lógica e a beleza que permeiam cada fórmula e cada dado. Com explicações bem construídas e exemplos próximos da realidade, a matemática e a estatística se revelam tão naturais quanto a própria vida, porque, no fundo, elas nada mais são do que a tradução dos fenômenos que nos cercam.

O peso das páginas

 O peso das páginas

Navego em mares de letras dispersas,
onde tantos naufragam sem direção,
presos em ondas de páginas imersas,
afogados na ilusão da erudição.

Não é no volume que a luz se encerra,
nem na pressa de ler sem tocar,
mas no sulco que a mente descerra
quando ousa em um termo se demorar.

Informação — um relâmpago raso,
pisca e some na vastidão.
Mas conhecimento é um rio ruidoso,
esculpindo a pedra da compreensão.

Dados, sementes dispersas ao vento,
soltas ao léu sem raiz, sem chão.
Somente o tempo e o pensamento
podem fazer delas trigo ou grão.

Leio um só verso e vejo universos,
numa palavra um cosmos se cria.
Quem devora mil tomos dispersos
perde o ouro por fome vazia.

Pois mais vale um livro vivido,
um só conceito em carne gravado,
do que mil, num oceano perdido,
onde o saber se desfaz afogado.

quarta-feira, 19 de março de 2025

O dia em que as palavras se calaram

Hoje sou terra sem chuva, sem brisa,
um campo onde a semente se perde.
O verbo me olha de longe, indeciso,
e o silêncio, de súbito, me fere.

A máquina observa, ávida e fria,
cataloga, prevê, analisa.
Mas não há código que resgate o dia
em que a alma recusa a brisa.

Nenhum cálculo encontra o caminho
por onde o mistério da criação se lança.
Não há padrão que ensine o destino
do verso que nasce só na bonança.

Sem inspiração, sou sombra dispersa,
um eco no vácuo do próprio existir.
A IA me observa, mas segue imersa
num mar de dados sem me atingir.

Que descanse a pena, que cesse o intento,
não há atalhos para o renascer.
Pois só no abismo do desalento

é que a poesia volta a viver. 

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Colação de grau

 À filha e irmã (2025)

Sua trajetória é uma construção singular, erguida com inteligência, perseverança e um apetite insaciável pelo saber. Desde sempre, soubemos que seu olhar ia além do óbvio, que sua mente inquieta não se acomodaria diante de respostas fáceis, mas buscaria aprofundar-se, questionar, transformar.

Hoje, ao celebrar sua formatura, contemplamos não apenas a engenheira que se lapidou no rigor da ciência, mas a pensadora incansável que fez de cada desafio um degrau e de cada conquista um novo ponto de partida. O ingresso no mestrado apenas reafirma o que sempre esteve impresso em sua essência: o desejo inabalável de ultrapassar limites e de expandir os próprios horizontes.

Filha, irmã, sua caminhada nos enche de orgulho. Em você vemos não apenas a força de quem constrói o próprio destino, mas também a inspiração que contagia e impulsiona aqueles que têm a sorte de compartilhar sua jornada.

Seu percurso é testemunho de que talento e esforço, quando entrelaçados, tornam-se forças irreversíveis. E nós, que acompanhamos seus primeiros passos, seguimos agora admirando seu voo, certos de que ele não conhece fronteiras.

Com orgulho e gratidão, celebramos você.

A idade certa

 Cheguei àquela idade em que os aforismos ganham vida própria, como pequenos faróis a iluminar o caminho que, enfim, escolhi para mim. Não descobri tudo — longe disso —, mas descobri que não preciso mais carregar o peso das expectativas alheias. A vida, como dizem, é breve demais para ser pequena. E eu, agora, entendo o que isso significa.  

Cheguei à idade em que o "não" sai com a leveza de quem sabe que dizer "sim" a si mesma é o maior dos luxos. Já não me importo em ser incompreendida, porque entendi que a única compreensão que importa é a que tenho de mim mesma. "Conhece-te a ti mesma", dizem. E que descoberta libertadora!  

Cheguei à idade em que o tempo não é mais um tirano, mas um aliado. Já não conto os dias, mas os saboreio. Cada momento é como um aforismo: breve, mas denso de significado. "A vida é o que acontece enquanto você faz planos", dizem. Pois bem, agora eu vivo os planos, e não apenas os faço.  

Cheguei à idade em que os erros não são fracassos, mas lições. E as lições, por sua vez, tornam-se sabedoria. "Queda após queda, a mulher aprende a caminhar." E eu, que já caí tantas vezes, agora caminho com passos firmes, porque sei que cada tropeço me trouxe até aqui.  

Cheguei à idade em que faço o que realmente gosto, não porque seja fácil, mas porque é autêntico. E a autenticidade, como dizem, é o único caminho para a paz interior. "Sê fiel a ti mesma", ecoa o velho conselho. E eu, finalmente, sou.  

Cheguei à idade em que os aforismos não são apenas palavras, mas a própria essência da minha existência. E, como dizem, "a vida é uma obra de arte que cada um pinta com suas próprias cores". As minhas, agora, são vibrantes, porque escolhi pintar com o que realmente amo. E isso, meus amigos, faz toda a diferença.

Religião

 Por que questiono a religião: uma reflexão pessoal

A religião, em suas diversas formas, tem sido uma força poderosa ao longo da história da humanidade. Ela moldou culturas, inspirou arte e ofereceu conforto a milhões de pessoas. No entanto, não posso ignorar os aspectos que me levam a questionar seu papel na sociedade atual.  

Não me identifico com a religião porque, muitas vezes, ela se torna uma doutrina rígida, impondo regras e dogmas que limitam a liberdade individual de pensar e agir. A religião política, por exemplo, me preocupa profundamente, pois transforma crenças espirituais em ferramentas de controle e divisão, alimentando conflitos e guerras em nome de uma suposta "verdade absoluta".  

Além disso, a história nos mostra como a religião, em alguns momentos, se opôs ao progresso científico, perseguindo pensadores e impedindo avanços que poderiam beneficiar a humanidade. Livros foram queimados, ideias foram suprimidas e a iconoclastia destruiu obras de arte que carregavam séculos de história e cultura.  

Não nego que a religião possa trazer sentido e conforto para muitas pessoas, mas acredito que é essencial questionar suas estruturas de poder e suas consequências. Prefiro buscar respostas na razão, na ciência e no diálogo aberto, onde ideias podem ser debatidas sem medo de represálias ou dogmas.  

Acredito em uma sociedade onde a espiritualidade, se existir, seja uma escolha pessoal e não uma imposição. Onde a diversidade de pensamento seja celebrada, e onde o progresso humano não seja impedido por medo do desconhecido.  

Este é o meu posicionamento, e respeito profundamente aqueles que pensam diferente. Afinal, é no diálogo e no respeito mútuo que construímos uma sociedade justa.

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Amor algorítmico

No futuro distópico, meu amor,  

serás um código, eu, um algoritmo,  

nosso romance, uma função de valor,  

calculada em qubits, sem nenhum critério.  


Teu coração, um chip quântico,  

pulsa em superposições, frio e exato,  

enquanto meu peito, um circuito vazio,  

busca teu sinal no infinito abstrato.  


Prometemos eternidade em nuvens quânticas,  

mas nossa conexão falha, a rede oscila,  

o 6G do amor é instável, desigual,  

e o GPS da paixão nos leva à ilha  


de um mar de big data, onde afogamos  

nossos sentimentos em deepfakes vazios,  

enquanto IA generativas nos declamam  

poemas de amor, pré-treinados, sombrios.  


Ah, meu amor cibernético e irônico,  

será que ainda há espaço para o humano?  

Ou somos apenas mais um código eletrônico,  

perdidos no loop de um futuro insano?  


Talvez, entre tantos qubits e labirintos,  

ainda reste um sopro de verdade:  

um erro no sistema, um laço antigo,  

que nos salve da fria eternidade.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

O fundamentalista

 O indivíduo fundamentalista não debate, prega. Sua convicção não admite questionamentos, pois não há espaço para dúvidas em sua visão de mundo. Quando descobre uma nova teoria ou lê um livro que reforça suas crenças, sente-se investido da missão de convencer e converter. Para ele, discordar não é um direito, mas uma resistência à verdade que ele acredita possuir. Sua certeza é inabalável, não porque seja bem fundamentada, mas porque é impermeável a qualquer argumento contrário. Diante dele, qualquer tentativa de diálogo se torna um monólogo – e um monólogo onde apenas ele tem voz.

A única forma de escapar do ciclo exaustivo de suas pregações é concordar superficialmente e sair de cena. Não há espaço para reflexão conjunta, apenas para a submissão ou para a fuga.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Faces caídas

 No palco frio da hipocrisia,

amizades nascem sem raiz,
crescem à sombra da cortesia,
mas morrem sempre por um triz.

Sorrisos largos, gestos belos,
promessas feitas sem calor,
olhares falsos, frios, amarelos,
vestidos todos de impostor.

Enquanto a cena se desenrola,
fingem afeto, juram ser leais,
mas basta a queda da coroa,
e os rostos mostram seus sinais.

E quando enfim saio de cena,
o brilho some, não há mais voz,
a falsa amizade se condena,
só resta o eco do vácuo atroz.

Tantos anos, tantas trilhas,
e ainda assim não compreendi,
como há almas tão vazias,
que somem quando já não há o que fingir.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Libertação do ser

Quando o véu se esgarça,  

e o mundo perde suas cores emprestadas,  

a liberdade não é um rio,  

mas o oceano que não pede licença  

para ser vasto, profundo, salgado.  


Não há mais rédeas,  

nem mapas desenhados por mãos alheias.  

As regras, outrora prisões,  

agora são cinzas ao vento,  

e os valores, sombras desbotadas,  

refletem apenas o vazio que habita  

o cerne de tudo.  


É aqui, no abismo sem fundo,  

que o ser se revela:  

niilista, agnóstica,  

desnuda de certezas e dogmas.  

Não há mais o ter que,  

apenas o poder ser.  

E ser é existir sem véus,  

sem máscaras,  

sem a necessidade de pertencer  

a qualquer coisa que não si mesma.  


A liberdade chega como um silêncio,  

um eco que não responde,  

um horizonte que não promete.  

E no meio desse vazio,  

o ser se encontra,  

não como um ponto fixo,  

mas como uma dança contínua,  

uma chama que arde sem motivo,  

sem destino,  

apenas porque existe.  


E assim, no caos da existência,  

no deserto sem deuses ou sentidos,  

o ser se faz inteiro,  

não pelo que tem,  

mas pelo que é:  

livre,  

desamarrada,  

e infinitamente sua.  


Maria da Penha Boina Dalvi 

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

 

Por que os homens criaram deuses? E os deuses, teriam também um deus?

Desde os primórdios, o homem olha para o céu e vê o desconhecido. A lua que cresce e mingua, o trovão que rasga a noite, o sol que some no horizonte e sempre retorna. O fogo que aquece, mas também devora. O mar que acalma, mas também engole. Diante do caos e da incerteza, a mente humana cria sentido onde há mistério. Assim nasceram os deuses.

Os primeiros deuses foram forças da natureza personificadas. O trovão virou Zeus, o sol tornou-se Rá, os rios sagrados ganharam espíritos guardiões. O homem atribuiu vontades e humores às forças que não podia controlar, esperando aplacá-las com preces e sacrifícios. O medo do desconhecido deu origem ao divino.

Com o tempo, os deuses deixaram de ser apenas manifestações naturais e passaram a refletir as próprias contradições humanas. Tornaram-se reis nos céus, guerreiros, juízes, arquitetos do destino. A religião passou a ser mais do que um consolo — virou poder. Quem falava em nome dos deuses falava em nome da ordem. Ditava leis, justificava conquistas, controlava povos.

Mas se os homens criaram deuses para dar sentido à vida, será que os deuses também criaram seus próprios deuses? Se existissem, teriam as mesmas dúvidas? Olhariam para além de seus reinos divinos e se perguntariam quem os fez? Talvez o próprio conceito de divindade seja uma ilusão em cadeia infinita, onde cada ser superior se vê pequeno diante de um mistério maior.

Ou talvez o último deus da sequência seja o próprio vazio — aquele que não tem quem o criou, mas que é a origem de todas as perguntas.

O peso do medo

 Dizem que há sombras na esquina,

sussurros frios na neblina,
olhos que espreitam na escuridão,
mãos que apertam sem compaixão.

Tranque as portas, feche o peito,
dobrem-se ao fardo do preceito.
Há sempre um monstro à espreita,
um castigo para a alma imperfeita.

No deserto, a voz bradou:
“O mar se abre a quem rezou!”
E os que duvidam, sem piedade,
são tragados pela tempestade.

Na fogueira, a chama dança,
queima o corpo, apaga a esperança.
A fé impõe o seu decreto:
“Negue-me e prove do inferno certo.”

Coroas brilham, aço brande,
o medo cresce e nunca expande.
Pois só se vê o que convém,
quem dita a lei nos faz refém.

Um novo rosto, um novo nome,
sempre há um lobo em meio ao homem.
Ora justiça, ora nação,
ora inimigo, ora oração.

E assim seguimos, sem acerto,
livres no corpo, presos por dentro.
Grades que o tempo não desmancha,
o medo pesa... e nos amansa.

domingo, 26 de janeiro de 2025

Espelho partido

 Nasci sob o brilho de um espelho dourado,

Que refletia o mundo como ela queria.
Mas a luz, tão falsa, trazia ao meu lado
Sombras que o amor nunca preencheria.

Sua voz era um cântico enfeitiçado,
Ressoando louvores a si, tão vazios.
E eu, pequena, em seu mundo moldado,
Afogava-me em mares frios.

Seu olhar me feria com indiferença,
Como quem vê o outro e nada enxerga.
Eu buscava seu amor, mas na ausência
Só via a máscara que nunca se entrega.

Minha dor era calada, um grito mudo,
Pois quem ousaria a verdade contar?
Que o colo materno, tão profundo,
Era um abismo pronto a devorar.

Eu, folha caída ao vento cruel,
Tentava brotar em terra estéril.
Mas ela, rainha de um falso céu,
Pisava meus sonhos com garras de ferro.

Hoje carrego cicatrizes invisíveis,
Marcas de uma luta que ninguém vê.
Pois ser filha de quem ama impossíveis
É aprender a amar sem nunca receber.

Mas há força no pranto que em mim brotou,
Raízes que nasceram do chão quebrado.
E o que ela negou, a vida me ensinou:
Sou inteira, mesmo no espelho rachado.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

A trama da lógica

A trama da lógica
Por Maria da Penha Boina Dalvi

Sou tecelã de números e padrões,
na trama acadêmica, linhas exatas.
Nas salas, moldo mentes, multidões,
com a régua precisa da ciência abstrata.

Estatística é meu fio, firme e tenso,
cada ponto amarra um mundo a decifrar.
Nos sistemas, o entrelaçar é imenso,
um tear de dados que insiste em falar.

A pesquisa operacional, tão geométrica,
é bordado de lógica, sem desvio.
Problemas são retalhos, resposta métrica,
um corte exato, traçado com brio.

E nos momentos de agulha e silêncio,
a costura reflete a precisão que almejo.
Pontilhados são algoritmos em consenso,
um amigurumi que segue o mesmo ensejo.

Cada laçada é hipótese a testar,
cada nó, uma incógnita revelada.
Minha paixão reside em desenhar
o mundo com linhas, em ordem traçadas.

Assim, ensino a pensar, a tramar,
em tecidos de ideias e conexões.
Sou artesã e mentora, a costurar
futuro em mentes e transformações.