Maria da Penha

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segunda-feira, 3 de abril de 2023

É necessária a volta dos formadores de opinião - Humanidade versus Máquinas Inteligentes

É necessária a volta dos formadores de opinião - Humanidade versus Máquinas Inteligentes

 

Maria da Penha Boina Dalvi

Me: Engenharia de Gestão do Conhecimento

Me. Gestão da Informação nas Organizações

Esp. Estatística e Sistemas de Informação nas Organizações

 

É certo que um pouco de ciência faz bem para a saúde mental; entretanto, devemos estar preparados para sermos rejeitados quando não aceitarmos ser influenciados.

Estamos na era em que os algoritmos permitem argumentação eloquente, contudo, sobressai a informação enfadonha e vazia que não permite contraponto, mesmo que se tenha razões lógicas para um discurso mais incisivo, uma comunicação perfeita, Entretanto, informação é comunicação por uma só via. Segundo Ricardo Noseda, "Comunicação não é ato, mas processo pelo qual o indivíduo entra em cooperação mental com outro até que ambos alcancem uma consciência comum – Informação, pelo contrário, é qualquer transcrição unilateral da mensagem de um emissor a um receptor – A irradiação da mensagem sem retorno de diálogo, proveniente de informantes centralizados, não pode ser identificada com a coatividade intrassubjetiva característica da comunicação".

A comunicação só é perfeita se for face a face e, sendo o humano ser sociável, por conseguinte, tem necessidade de ser parte viva e ativa de qualquer que seja o contexto e que, a tecnologia não seja uma regalia para monopolizar a informação.

O que estamos vendo na verdade é uma sociedade líquida, com poucos seres pensantes criando conteúdos fidedignos, genuínos e, uma enormidade de pessoas que ganharam espaço e voz no mundo virtual que, de forma isolada, está criando e consumindo conteúdos incapazes de validar qualquer tipo de argumento aos quais são direcionados e, de tal maneira, criarão e consumirão cada vez mais informação sem a devida seletividade. Os algoritmos inteligentes veiculam ao indivíduo solução de consumo de informação que o acondiciona em uma bolha para tudo que ele transparece desejar consumir, pois deixa vestígios das suas características de consumo pelo meio virtual. A partir de tais atributos receberá informação que irá lhe satisfazer e agradar literalmente, levando-o a acreditar que o seu mundo, diante do seu consumo paira toda a verdade daquilo que já acreditava anteriormente, se consolidando cada vez mais como um ser quase perfeito. É inegável que não existe nada mais empolgante na vida em não se ter de enfrentar o contraditório. É o absolutismo que trás uma sensação de poder. Mas, havemos de admitir que é um poder diante do isolamento e no acalento dos desejos pessoais, dessa forma, desobriga dos compromissos e da solidariedade, o que pode levar à exclusão e à marginalização por recorrer ao pertencimento de grupos vulneráveis que são capazes que desenvolver uma miopia para o que é democracia e justiça social.

  Diante dessas considerações não se pode esquecer do “hiato social” que já estamos vivenciando. O hiato social acontece quando as pessoas se distanciam do contato pessoal e preferem se comunicar por meio de dispositivos eletrônicos. Isso tem levado a uma diminuição do convívio social face a face, com consequências negativas para a saúde mental e emocional das pessoas.

Uma das principais causas do hiato social é a informação imperfeita. Com a facilidade de acesso a informações e notícias por meio das redes sociais e outras plataformas online, as pessoas acabam consumindo informações muitas vezes imprecisas ou tendenciosas, que podem gerar conflitos e divisões sociais. Além disso, a falta de contato pessoal e de empatia pode levar a uma maior intolerância e à propagação de preconceitos e discursos de ódio.

Estamos vivenciando o hiato social nos nossos pequenos grupos sociais, como família, amigos e colegas de trabalho. Quando antes utilizávamos as plataformas virtuais de comunicação informalmente, existia uma conexão brilhante na amistosidade e que se pode até colocar como infantilidade quando ainda se brincava. As relações admitiam uma demonstração de confiança, de honestidade e de verdades dos pensamentos contraditórios e chegava-se pela comunicação e diálogo a um equilíbrio das interpretações para um objetivo fim. Hoje a verdade se consolidou como uma ameaça, pelo fato de se ter normalizado o consumo do que é inverídico, pois as bolhas da informação recebidas já estão consolidadas e, nesse mundo espectral individual e ou no mesmo coletivo, cada pessoa e ou grupo passou a entender o seu mundo como verdade única, não conseguindo mais se abstrair da sua redoma.

O controle pelo medo que historicamente dominou a sociedade, que nunca desapareceu totalmente, mas que agora voltou com muita força; medo do não pertencimento, medo do erro, medo de perder o emprego, medo de falar a verdade e ser contrariado, medo de se posicionar politicamente, medo de falar poque pode ofender, medo de falar por não saber mais o que é ou não politicamente correto, medo da economia sufocar financeiramente, medo de não ter o sucesso que o outro conquistou e, assim existem milhares de exemplos do medo e, portanto, passamos a viver uma vida sem identidade, somos um factoide de nós mesmos, uma persona definida por uma sociedade diluída e uma versão contrária a nossa verdadeira e ainda nos curvamos diante dos sofistas e da ignorância.

A falta de uma estrutura mais rígida capaz de contemplar o equilíbrio de condutas pode comprometer toda a humanidade, principalmente com os avanços a que estamos assistindo nos  algoritmos de inteligência artificial (IA).

É atormentador saber o humano cria soluções incríveis e ao mesmo tempo, problemas assombrosos. Os benefícios que trazem a IA são incontestáveis como a otimização de processos, o desenvolvimento de novas tecnologias e o aprimoramento da tomada de decisões em diversas áreas de organizações e empresas. No entanto, a IA também apresenta riscos e perigos para a humanidade, que devem ser levados em consideração.

O que assusta na evolução da IA é a intensão de uso por indivíduos ou organizações com objetivos negativos.

Já estamos numa sociedade líquida e em um hiato social, vivendo sob o domínio do medo, consternados, fazendo vigília da própria sombra, negando a ciência e a educação e agora com IA tomando e gorando espaços na sociedade, que segundo Harari ...podendo substituir muitos trabalhadores manuais por máquinas e substituir muitos trabalhadores intelectuais por algoritmos...

Quiçá não seria o momento crucial em se pensar novamente na sociedade líquida na qual as relações sociais são voláteis e efêmeras? Esta ocorrência acontece em grande parte devido à rapidez das mudanças tecnológicas e à crescente globalização, que tornam as fronteiras nacionais e culturais cada vez mais tênues. Possivelmente existe dificuldade em se perceber os acontecimentos na estrutura social como um todo universal. Para se evitar mais sofrimento, hoje e futuro à sociedade,  pensar em instigar à dialogicidade para princípios éticos seria por uma boa razão, principalmente por serem aplicáveis a todas as pessoas, em todas as culturas - que devem ser adaptados e reinterpretados à luz das diferenças culturais - , e em todas as épocas, independentemente das diferenças religiosas ou políticas. Desta forma, uma possível releitura da sociedade apoiado ao universalismo da ética possibilitaria bom diagnóstico para reequilibrar a saúde mental e social da humanidade em associação com a utilização dos algoritmos e máquinas

Acreditar na inteligência humana, na socialização física real, no semelhante como ser verdadeiro, divergente em opiniões e nas suas diferenças como um todo, saber ouvi-los e aceitá-los e, também sermos escutados e aceitos, além do fundamental que é a credibilidade na ciência que pode nos ajudar a desenvolver uma compreensão mais precisa e profunda do mundo ao nosso redor, permitindo-nos descobrir novos métodos de tratamento de doenças, por exemplo, ou desenvolver tecnologias que tornem nossa vida mais fácil e confortável. Dessa forma, um pouco de ciência pode ser benéfico para nossa saúde mental, ao nos dar mais autonomia e controle sobre nossas vidas.