Maria da Penha

Maria da Penha

sábado, 7 de junho de 2025

Tinta sangrenta

 Quisera eu, tal qual os mestres antigos,  

Com voz suave e pluma delicada,  

Cantar o amor em versos tão prolixos,  

Num doce afã de estrofe bem lavrada.  


Mas quando a pena toca o pergaminho,  

Escorre o tinto em manchas de desgosto;  

O verso puro vira meu caminho,  

E o que era flor transforma-se em despojo.  


Não falo em rosas, nem em céu bordado,  

Nem no suspiro que o amor conduz  

Só sei do amor que vem ensanguentado,  

Do fogo ardente que não tem luz.  


Oh, maldita mão que não refreia  

A dor que insiste em brotar no papel!  

Em vez de canto, só resta a queixa,  

E o meu amor neutro, obscuro, cruel.  


Mas talvez seja esta a sina dura  

Do coração que em sombras se debate:  

Cantar o amor na própria amargura,  

E em vez de flor, escrever arte.

A arte do invisível

Nasci com o dom de desvendar segredos,  

De transformar em luz os densos medos.  

Não ensino com palavras de tratado,  

Mas no silêncio que fala ao teu lado.  


Lá onde os sábios ergueram memoriais,  

Minha voz ecoou em tons triunfais.  

Aqui, onde esperava só verdade,  

Colhi o fruto amargo da falsidade.  


Venderam por prata o que era ouro puro,  

Trocaram por sombra meu claro futuro.  

Mas a essência que em meu peito habita  

Não se rende, não se apaga, não se mitiga.  


Sou como o vento que não pode prender-se,  

Como o rio que não deixa extinguir-se.  

Minha lição é eterna e não se cala,  

Pois nasce da luz que em tudo se exhala.  


Quando quiserem apagar meu nome,  

Saberão que ensino além da morte.  

Como a água que a pedra talha e doma,  

Minha voz permanece, minha alma assoma.

quinta-feira, 17 de abril de 2025

O eclipse da razão quando as sombras engolem o pensamento

A vulnerabilidade cognitiva decorrente da ausência de pensamento crítico configura um fenômeno complexo no qual o indivíduo, desprovido de ferramentas epistemológicas robustas, torna-se suscetível à manipulação ideológica e discursiva. Essa condição não se restringe à mera carência de conhecimento formal, mas reflete uma insuficiência hermenêutica para discernir entre argumentos válidos e falaciosos, entre informação e persuasão oculta. Quando o sujeito não desenvolve capacidade analítica para questionar pressupostos ou identificar vieses, sua cognição passa a operar como território colonizável por narrativas hegemônicas, transformando-o em agente passivo de agendas alheias. A ignorância sapiencial, distinta da ignorância epistêmica, manifesta-se justamente nessa incapacidade de desnaturalizar discursos, levando à internalização acrítica de constructos sociais e políticos. Nesse estado, o indivíduo não apenas reproduz ideias não examinadas, mas torna-se instrumentalizado como massa de manobra, perpetuando estruturas de dominação simbólica que se alimentam precisamente da não problematização do status quo. A trágica consequência é a alienação do próprio processo de pensamento, onde a autonomia intelectual é suplantada por uma pseudo-consciência fabricada.

O espelho da alma

 Se duvidas da honra alheia,  

e na mentira sempre creia,  

se julgar é teu prazer,  

sem ao menos conhecer...  


Se a beleza não toleras,  

e a sabedoria ignoras,  

se o que é bom te faz desconfiar,  

e só enxergas o que é falhar...  


Se te falta humildade,  

e sobra vaidade,  

se o mundo parece vil,  

mas em ti não vês o mesmo tom hostil...  


Ah, amigo, reflita bem,  

pois o mal que vês em alguém  

— se em tudo enxergas defeito —  

pode ser teu próprio peito.  


O problema não são os outros, não,  

és tu, no espelho da ilusão,  

que carrega em teu ser  

o que insistes em não querer ver.

terça-feira, 15 de abril de 2025

A loucura que me habita

 Desde menina me chamaram "doidinha",

como se riscar o céu com giz colorido  

fosse sintoma, não poesia.  


Cresci, e o apelido envelheceu comigo,

"louquinha" agora, com um sorriso condescendente,  

como se toda verdade dita fosse acidente,  

toda paixão exagerada,  

toda entrega... ingenuidade.  


Que maldição é essa que carrego?  

Ser transparente em um mundo de vidros fumê,  

ofertar abraços em tempos de selfies,  

falar em versos quando todos negociam  

em prosa vazia.  


As amizades murcham,

minhas raízes são fundas demais  

para vasos de plástico.  

Sou terra úmida em deserto de aparências,  

água corrente que assusta quem só bebe  

em copos descartáveis.  


Não, não sou louca.  

Sou um ciclone de autenticidade  

em tempos de brisas controladas.  

Meu crime? Amar sem manual,  

confiar sem seguro,  

existir sem disfarces.  


O inferno não é ser como sou

é viver entre fantasmas  

que se dizem pessoas.

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Manifesto

lugar onde o pensar respira


Pensar é carregar um mundo que ainda não coube nas palavras. É caminhar entre ruínas e sementes, escutando os vestígios do que ainda não nasceu. Pensar é traduzir sem trair, é olhar para o indizível com a paciência de quem não tem pressa de reduzir. É sentir sem colapsar, abrindo espaço dentro de si para o que não tem forma pronta. É permanecer com a dúvida como quem permanece com um amigo difícil: sem querer consertar, apenas estar. Pensar não é competir por razão, é buscar coerência entre o que vibra por dentro e o que o mundo insiste em calar. Não penso para brilhar. Penso para respirar. Para não sufocar sob o peso da superfície. Para manter vivo um eixo invisível que me sustenta. Pensar é resistir ao automatismo, é cavar sentido onde tudo parece ruído. É um ato de inteireza, mesmo quando o mundo oferece apenas fragmentos. Pensar é um modo de permanecer humana. E inteira. Mesmo quando tudo ao redor parece pedir o contrário.

terça-feira, 1 de abril de 2025

Os ecos da traição

Regaste a amizade, fizeste florir,  

Com gestos suaves, soubeste fingir.  

Falaste em respeito, plantaste a união,  

Mas sob as pétalas, crescia a traição.  


Não foi por engano que me afastaste,  

Foi porque eu via o que tu ocultaste.  

Sabia demais, e isso te doía,  

Pois toda mentira teme a luz do dia.  


Colheste botões que nunca vingaram,  

Diplomas vazios que nada ensinaram.  

Lançaste ao mundo sem raiz, sem saber,  

Quem planta o engano, não pode colher.  


O tempo é espelho, reflete e condena,  

A farsa definha, a verdade envena.  

Quem vende a ilusão por medo ou por pão,  

Perde o próprio chão, já não é mais razão.  


E quando as folhas caírem ao fim,  

E a névoa esconder o que resta de ti,  

Não adianta rezar, teu medo é prisão,  

Tua queda se encerra abaixo do chão.