Maria da Penha

Maria da Penha

domingo, 22 de dezembro de 2024

A dança dos extremos

Na praça do tempo, a extrema direita grita,

Faz da espada seu verbo, da fúria sua escrita.

É um vendaval que ruge entre os campos de dor,

Plantando espinhos onde o trigo já foi amor.


Lá vem o cavaleiro, com bandeiras rasgadas,

Ecoando promessas de glórias passadas.

Mas são sombras de reis que nunca existiram,

Fantasmas de um poder que tantos sucumbiram.


E do outro lado, suave, a esquerda caminha,

Com pés descalços sobre a terra que alinha.

É o sopro da aurora no campo semeado,

O canto das mãos que constroem o legado.


Dos livros nascem pontes, dos sonhos, revoluções,

É o abraço do povo contra as prisões.

Mas a bonança tem curvas, também seus tropeços,

Pois no campo das ideias, há espinhos nos começos.


A história é mestra, nos sussurra ao ouvido:

Já vimos extremos ferirem o perdido.

Mas também vimos florescer, em terreno infértil,

A coragem de lutar, ainda que em solo hostil.


Que não nos guie o ódio, que não nos cegue o temor,

Que a mão que aperta o punho também saiba dar flor.

E que na dança dos extremos, o equilíbrio seja o fim,

Para que a história cante o melhor de seu jardim.

O arquivo das estações

Guardei um mapa num lugar perdido,

onde o tempo, por descuido, hesita.

Os traços são rios que secaram cedo,

mas ainda guardam o murmúrio da vida.


As árvores falam línguas apagadas,

e suas folhas, arquivos de eras,

sussurram verdades disfarçadas

nos códigos de antigas primaveras.


O céu é um espelho de névoa e ferro,

onde as estrelas, frias, descansam.

Os ventos carregam ecos austeros,

memórias partidas que não se alcançam.


Ainda assim, no silêncio partido,

há mãos que moldam o que não existe.

Nas cinzas do velho, o novo é tecido,

num fôlego breve, sutil, mas persiste.


Os sonhos futuros não têm formato;

são só fragmentos em órbita errante.

Mas cada estação, num ciclo exato,

guarda uma semente sempre pulsante.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Frase

Encontro-me em um estado de nirvana, onde a mente repousa em profunda paz e o espírito se conecta com o absoluto, livre de qualquer inquietação.

Purista, eu?


Chamaram-me purista, num tom de ironia,
Como se o zelo fosse pecado, heresia.
Por buscar nos arcanos da gestão cadente,
Um fio de lógica, um traço coerente.

Falaram de anacronismo, como quem sussurra ao vento,
Sem notar que o tempo carrega o esquecimento.
Gestões de ontem, sombras de um outrora,
Não resistem à aurora, que a crítica devora.

Eis que escrevo, não para agradar vaidades,
Mas para despir o rei de suas falsidades.
Se purismo é pensar, é questionar o vago,
Que me chamem de pura, pois o impuro é frágil.

Anacrônica é a cegueira que persiste em andar,
Na trilha do ontem, sem ousar inovar.
E eu? Sou ponte entre o velho e o novo,
Sou o verbo que inquieta, sou quem move o povo.

Não temo o rótulo que me foi ofertado,
Pois na busca da razão, o título é fado.
Que venha o futuro, com suas chamas ardentes,
Purista ou não, sigo lúcida, entre linhas e correntes.

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Cárcere do saber


Na arena fria da sala vazia,
O professor luta, mas quem o ouvia?
O aluno o julga, arrogante, cego,
Subestima a vida que ensinou com apego.

Nas mãos da faculdade, um jogo cruel,
Promessas vazias, um amargo papel.
Jogam contra, traçam seu fim,
Enquanto ele se entrega, acredita no sim.

Mas quem sustenta esse palco quebrado?
É o mestre cansado, pisado, calado.
Angústia o molda, sonhos desfeitos,
E ainda assim, luta por direitos.

Que o saber resista à ignorância altiva,
Que a chama não morra, mesmo que cativa.
O cárcere do ensino tenta o silenciar,
Mas o professor é voz que não vai calar.

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Entre o brilho e a sombra: O paradigma da convivência com mentes geniais e almas isoladas

Vivemos em uma era que exalta o intelecto e a busca pelo conhecimento, mas nem todo brilho intelectual resulta em uma luz que aquece o convívio humano. Há uma parcela de indivíduos cuja inteligência e formação nas mais conceituadas universidades do mundo conferem-lhes um potencial impressionante. Contudo, paradoxalmente, essas mentes brilhantes frequentemente são envoltas em uma cortina de distanciamento emocional e social, o que torna a convivência com elas um desafio tão intenso quanto suas capacidades cognitivas.

Essas pessoas habitam um espaço psicológico peculiar, onde o mundo exterior parece existir apenas como um pano de fundo para seus interesses e reflexões internas. Imersas em si mesmas, tendem a rejeitar as convenções da sociabilidade, preferindo interações superficiais e pontuais ou, em muitos casos, nenhuma interação. Essa postura, por vezes, dá a impressão de que estão desligadas do fluxo da vida cotidiana, como se o que acontece ao seu redor fosse irrelevante ou indigno de sua atenção.

Não menos desconcertante é sua dependência emocional e financeira de terceiros, geralmente familiares próximos. Apesar de necessitarem desse suporte, demonstram um desapego que beira a indiferença. Esse comportamento sugere não uma ingratidão consciente, mas uma espécie de cegueira emocional para a dedicação dos outros. O peso dessa relação recai, quase sempre, sobre os ombros de quem oferece apoio, que se vê frustrado pela ausência de reciprocidade ou de um gesto simples de reconhecimento.

Ademais, essas pessoas revelam um individualismo exacerbado, onde suas necessidades e interesses são priorizados acima de qualquer vínculo ou responsabilidade coletiva. Elas capturam, com uma sensibilidade ímpar, a beleza do mundo natural, mas raramente voltam esse olhar atento para as dinâmicas humanas ao seu redor. Seu silêncio sobre si mesmas, longe de ser um sinal de humildade, muitas vezes é um reflexo de um ego centrado que deseja ser reconhecido, mas não compreendido.

Conviver com essas almas é enfrentar um constante paradoxo: elas atraem e repelem, encantam pela genialidade, mas frustram pela ausência de empatia. Exigem paciência, mas oferecem pouco em troca. Estabelecem barreiras invisíveis que, embora possam proteger sua complexidade interna, isolam-nas do calor humano e da possibilidade de vínculos genuínos.

No fundo, sua visão do mundo é tão singular quanto solitária. Elas não caminham em harmonia com os outros, mas em trilhas isoladas, onde o próprio reflexo é companhia suficiente. Entender essas pessoas pode exigir uma generosidade quase sobre-humana, mas talvez o maior dilema seja decidir até que ponto vale a pena insistir em penetrar em universos que, por escolha ou incapacidade, permanecem hermeticamente fechados.

Melhorar o relacionamento com pessoas de comportamento antissocial e individualista exige paciência, empatia e respeito mútuo. Algumas estratégias incluem:

  1. Compreender e aceitar: Respeite sua visão de mundo e evite julgamentos.
  2. Respeitar o espaço: Dê-lhes autonomia, mas esteja disponível quando precisarem.
  3. Estimular reciprocidade: Valorize pequenos gestos e encoraje o reconhecimento.
  4. Focar em interesses comuns: Use seus hobbies ou paixões como ponto de conexão.
  5. Estabelecer limites: Seja claro sobre suas necessidades e expectativas.
  6. Reforçar positivamente: Elogie atitudes que promovam interação e cuidado.
  7. Incentivar autonomia: Apoie passos rumo à independência financeira e emocional.

Por fim, aceite que mudanças profundas dependem delas mesmas e cuide de manter seu próprio bem-estar durante esse processo.

Cálice Parto da Terra

Queimada de pólvora, a história rasteja,

uma serpente de fome engolindo o sol.

Na cidade das promessas quebradas,

o berço do homem é o túmulo de outro.

 

Catedrais de vidro erguem-se para os deuses

do ouro, enquanto ao rés do chão,

as crianças mastigam o vazio,

alimentadas pela poeira das guerras invisíveis.

 

Ah, a guerra — essa mãe mutilada,

parindo filhos para cova antes do choro.

O sangue escorre em línguas ancestrais,

enquanto o mercado ri e fatura.

 

E o gênero?

É lâmina que corta o grito na garganta,

é gaiola dourada para as asas de aço.

"Mulher é flor", dizem os homens,

mas esquecem das raízes em solo de chumbo.

As flores também sangram,

também quebram quando pisadas.

 

A desigualdade é um banquete cruel,

com pratos cheios para poucos,

e migalhas disputadas por dentes famintos.

Os corpos das periferias são palcos,

e o espetáculo é sempre o mesmo:

miséria encenada sob holofotes de desprezo.

 

Não quero versos suaves.

Quero arrancar a carne desse sistema,

gritar contra os palácios de indiferença.

Que os poetas gentis me perdoem,

mas aqui a poesia não é flor,

é faca,

é fogo,

é punho cerrado no coração do mundo.