Maria da Penha

Maria da Penha

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Cálice Parto da Terra

Queimada de pólvora, a história rasteja,

uma serpente de fome engolindo o sol.

Na cidade das promessas quebradas,

o berço do homem é o túmulo de outro.

 

Catedrais de vidro erguem-se para os deuses

do ouro, enquanto ao rés do chão,

as crianças mastigam o vazio,

alimentadas pela poeira das guerras invisíveis.

 

Ah, a guerra — essa mãe mutilada,

parindo filhos para cova antes do choro.

O sangue escorre em línguas ancestrais,

enquanto o mercado ri e fatura.

 

E o gênero?

É lâmina que corta o grito na garganta,

é gaiola dourada para as asas de aço.

"Mulher é flor", dizem os homens,

mas esquecem das raízes em solo de chumbo.

As flores também sangram,

também quebram quando pisadas.

 

A desigualdade é um banquete cruel,

com pratos cheios para poucos,

e migalhas disputadas por dentes famintos.

Os corpos das periferias são palcos,

e o espetáculo é sempre o mesmo:

miséria encenada sob holofotes de desprezo.

 

Não quero versos suaves.

Quero arrancar a carne desse sistema,

gritar contra os palácios de indiferença.

Que os poetas gentis me perdoem,

mas aqui a poesia não é flor,

é faca,

é fogo,

é punho cerrado no coração do mundo.



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