Queimada de pólvora, a história rasteja,
uma serpente de fome engolindo o sol.
Na cidade das promessas quebradas,
o berço do homem é o túmulo de outro.
Catedrais de vidro erguem-se para os deuses
do ouro, enquanto ao rés do chão,
as crianças mastigam o vazio,
alimentadas pela poeira das guerras invisíveis.
Ah, a guerra — essa mãe mutilada,
parindo filhos para cova antes do choro.
O sangue escorre em línguas ancestrais,
enquanto o mercado ri e fatura.
E o gênero?
É lâmina que corta o grito na garganta,
é gaiola dourada para as asas de aço.
"Mulher é flor", dizem os homens,
mas esquecem das raízes em solo de chumbo.
As flores também sangram,
também quebram quando pisadas.
A desigualdade é um banquete cruel,
com pratos cheios para poucos,
e migalhas disputadas por dentes famintos.
Os corpos das periferias são palcos,
e o espetáculo é sempre o mesmo:
miséria encenada sob holofotes de desprezo.
Não quero versos suaves.
Quero arrancar a carne desse sistema,
gritar contra os palácios de indiferença.
Que os poetas gentis me perdoem,
mas aqui a poesia não é flor,
é faca,
é fogo,
é punho cerrado no coração do mundo.