Maria da Penha

Maria da Penha

domingo, 26 de janeiro de 2025

Espelho partido

 Nasci sob o brilho de um espelho dourado,

Que refletia o mundo como ela queria.
Mas a luz, tão falsa, trazia ao meu lado
Sombras que o amor nunca preencheria.

Sua voz era um cântico enfeitiçado,
Ressoando louvores a si, tão vazios.
E eu, pequena, em seu mundo moldado,
Afogava-me em mares frios.

Seu olhar me feria com indiferença,
Como quem vê o outro e nada enxerga.
Eu buscava seu amor, mas na ausência
Só via a máscara que nunca se entrega.

Minha dor era calada, um grito mudo,
Pois quem ousaria a verdade contar?
Que o colo materno, tão profundo,
Era um abismo pronto a devorar.

Eu, folha caída ao vento cruel,
Tentava brotar em terra estéril.
Mas ela, rainha de um falso céu,
Pisava meus sonhos com garras de ferro.

Hoje carrego cicatrizes invisíveis,
Marcas de uma luta que ninguém vê.
Pois ser filha de quem ama impossíveis
É aprender a amar sem nunca receber.

Mas há força no pranto que em mim brotou,
Raízes que nasceram do chão quebrado.
E o que ela negou, a vida me ensinou:
Sou inteira, mesmo no espelho rachado.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

A trama da lógica

A trama da lógica
Por Maria da Penha Boina Dalvi

Sou tecelã de números e padrões,
na trama acadêmica, linhas exatas.
Nas salas, moldo mentes, multidões,
com a régua precisa da ciência abstrata.

Estatística é meu fio, firme e tenso,
cada ponto amarra um mundo a decifrar.
Nos sistemas, o entrelaçar é imenso,
um tear de dados que insiste em falar.

A pesquisa operacional, tão geométrica,
é bordado de lógica, sem desvio.
Problemas são retalhos, resposta métrica,
um corte exato, traçado com brio.

E nos momentos de agulha e silêncio,
a costura reflete a precisão que almejo.
Pontilhados são algoritmos em consenso,
um amigurumi que segue o mesmo ensejo.

Cada laçada é hipótese a testar,
cada nó, uma incógnita revelada.
Minha paixão reside em desenhar
o mundo com linhas, em ordem traçadas.

Assim, ensino a pensar, a tramar,
em tecidos de ideias e conexões.
Sou artesã e mentora, a costurar
futuro em mentes e transformações.

domingo, 22 de dezembro de 2024

A dança dos extremos

Na praça do tempo, a extrema direita grita,

Faz da espada seu verbo, da fúria sua escrita.

É um vendaval que ruge entre os campos de dor,

Plantando espinhos onde o trigo já foi amor.


Lá vem o cavaleiro, com bandeiras rasgadas,

Ecoando promessas de glórias passadas.

Mas são sombras de reis que nunca existiram,

Fantasmas de um poder que tantos sucumbiram.


E do outro lado, suave, a esquerda caminha,

Com pés descalços sobre a terra que alinha.

É o sopro da aurora no campo semeado,

O canto das mãos que constroem o legado.


Dos livros nascem pontes, dos sonhos, revoluções,

É o abraço do povo contra as prisões.

Mas a bonança tem curvas, também seus tropeços,

Pois no campo das ideias, há espinhos nos começos.


A história é mestra, nos sussurra ao ouvido:

Já vimos extremos ferirem o perdido.

Mas também vimos florescer, em terreno infértil,

A coragem de lutar, ainda que em solo hostil.


Que não nos guie o ódio, que não nos cegue o temor,

Que a mão que aperta o punho também saiba dar flor.

E que na dança dos extremos, o equilíbrio seja o fim,

Para que a história cante o melhor de seu jardim.

O arquivo das estações

Guardei um mapa num lugar perdido,

onde o tempo, por descuido, hesita.

Os traços são rios que secaram cedo,

mas ainda guardam o murmúrio da vida.


As árvores falam línguas apagadas,

e suas folhas, arquivos de eras,

sussurram verdades disfarçadas

nos códigos de antigas primaveras.


O céu é um espelho de névoa e ferro,

onde as estrelas, frias, descansam.

Os ventos carregam ecos austeros,

memórias partidas que não se alcançam.


Ainda assim, no silêncio partido,

há mãos que moldam o que não existe.

Nas cinzas do velho, o novo é tecido,

num fôlego breve, sutil, mas persiste.


Os sonhos futuros não têm formato;

são só fragmentos em órbita errante.

Mas cada estação, num ciclo exato,

guarda uma semente sempre pulsante.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Frase

Encontro-me em um estado de nirvana, onde a mente repousa em profunda paz e o espírito se conecta com o absoluto, livre de qualquer inquietação.

Purista, eu?


Chamaram-me purista, num tom de ironia,
Como se o zelo fosse pecado, heresia.
Por buscar nos arcanos da gestão cadente,
Um fio de lógica, um traço coerente.

Falaram de anacronismo, como quem sussurra ao vento,
Sem notar que o tempo carrega o esquecimento.
Gestões de ontem, sombras de um outrora,
Não resistem à aurora, que a crítica devora.

Eis que escrevo, não para agradar vaidades,
Mas para despir o rei de suas falsidades.
Se purismo é pensar, é questionar o vago,
Que me chamem de pura, pois o impuro é frágil.

Anacrônica é a cegueira que persiste em andar,
Na trilha do ontem, sem ousar inovar.
E eu? Sou ponte entre o velho e o novo,
Sou o verbo que inquieta, sou quem move o povo.

Não temo o rótulo que me foi ofertado,
Pois na busca da razão, o título é fado.
Que venha o futuro, com suas chamas ardentes,
Purista ou não, sigo lúcida, entre linhas e correntes.

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Cárcere do saber


Na arena fria da sala vazia,
O professor luta, mas quem o ouvia?
O aluno o julga, arrogante, cego,
Subestima a vida que ensinou com apego.

Nas mãos da faculdade, um jogo cruel,
Promessas vazias, um amargo papel.
Jogam contra, traçam seu fim,
Enquanto ele se entrega, acredita no sim.

Mas quem sustenta esse palco quebrado?
É o mestre cansado, pisado, calado.
Angústia o molda, sonhos desfeitos,
E ainda assim, luta por direitos.

Que o saber resista à ignorância altiva,
Que a chama não morra, mesmo que cativa.
O cárcere do ensino tenta o silenciar,
Mas o professor é voz que não vai calar.