Maria da Penha

Maria da Penha

sábado, 26 de julho de 2025

Aos racistas

O racismo é a negação da filosofia e o fracasso da história. Desde os primeiros registros civilizatórios, o ser humano buscou justificar hierarquias arbitrárias, seja pela divindade dos faraós, pela “pureza" espartana ou pela pseudociência do século XIX. Mas toda tentativa de reduzir a humanidade do outro a uma categoria biológica ou cultural revela, acima de tudo, um medo patológico da igualdade. O racismo não é um desvio, mas um produto perverso de estruturas que sobrevivem pela dominação. Sua existência é um sintoma de sociedades que ainda não superaram a barbárie disfarçada de tradição.  

Hegel já dizia que a liberdade só existe quando reconhecida mutuamente. O racista, porém, recusa-se a esse reconhecimento, aprisionando-se em uma autocontradição, nega a humanidade alheia enquanto depende dela para afirmar sua própria identidade. Ele é, no fundo, um escravo de seu ódio, pois quem precisa oprimir para existir não é senhor de si, mas refém de sua própria pequenez. Nietzsche, ao criticar a moral dos ressentidos, poderia estar descrevendo o racista como alguém que transforma sua insegurança em agressão, sua fragilidade em violência.  

A história, no entanto, é implacável com os opressores. Os mesmos impérios que inventaram hierarquias raciais para justificar escravidão e genocídio hoje são lembrados com vergonha. As "teorias" racistas do século XIX, vestidas de academicismo, agora repousam no lixo da pseudociência. E enquanto sociedades se reconstroem sobre os escombros do colonialismo, o racista insiste em viver como um fóssil, um anacrônico que acredita em fronteiras num mundo que já as dissolveu na internet, na genética e na migração.  

Mas há uma incoerência trágica, o racista é ao mesmo tempo irrelevante e perigoso. Irrelevante porque a história o superou; perigoso porque, em seu delírio, ainda pode matar. Cabe à filosofia desmontar suas falácias, à história lembrar seus crimes, e à justiça tratá-lo como o que ele é: um criminoso contra a humanidade. Pois como escreveu Sartre, "o inferno são os outros", mas só para quem insiste em transformar os outros em inferno.

sábado, 7 de junho de 2025

A fragilidade do diálogo em meio ao ruído das redes profissionais  

O que se apresenta como debate no LinkedIn frequentemente se revela um teatro de autoafirmação, onde posições cristalizadas se chocam sem abertura real para reflexão. A psicologia das interações digitais explica esse fenômeno através do efeito de desinibição online, onde a barreira física permite expressões mais rígidas de opinião. Quando os participantes encerram discussões com um lacônico "e é isso", não estão demonstrando convicção, mas sim uma incapacidade de engajar em processos dialéticos que exigem flexibilidade cognitiva.  

Neurociências apontam que o cérebro humano tende a processar discordâncias como ameaças físicas, ativando os mesmos circuitos neurais da dor. Isso explica a escalada de agressividade em threads de comentários, onde cada réplica se torna mais contundente que a anterior. O paradoxo é evidente: profissionais que em contextos reais negociam diariamente transformam-se em versões caricatas de si mesmos quando diante de uma tela.  

A ilusão de que credenciais acadêmicas conferem automaticamente capacidade argumentativa é particularmente perversa. A educação formal pode fornecer ferramentas para o debate, mas não cultiva necessariamente a humildade epistêmica necessária para reconhecer os limites do próprio conhecimento. Em um ecossistema que recompensa engajamento a qualquer custo, a nuance e a complexidade tornam-se as primeiras vítimas.  

A solução talvez esteja não na expectativa de mudança coletiva, mas no cultivo individual daquilo que os estoicos chamavam de "reserva cognitiva" - a capacidade de discernir quando vale a pena investir energia em determinadas batalhas. Afinal, como bem observou Wittgenstein, os limites da nossa linguagem denotam os limites do nosso mundo. E quando o vocabulário se reduz a "e é isso", o horizonte de possibilidades dialógicas se fecha de forma lamentavelmente prematura. 

Sólida (ou não)

Não tenho almas gêmeas,  

mas tenho livros e tecnologias.  

Falo só o essencial com família,  

- meu abraço é um ponto final.  


Antes, no trabalho, era profissional:

cumprir horários, fingir emoção.

Agora nem isso; que alívio,

não ter que rir por obrigação.


Dizem que solidão dói,  

eu nem sei o que é isso.  

Minha playlist tem mais de 2500 músicas,  

todas falam de amor e abismo.  


Às vezes penso em mudar,  

mas aí dá preguiça.  

Melhor um café sozinha  

do que uma festa, esquisita.  


Não sou amarga, só líquida:  

afetos dão trabalho.

Prefiro meu vazio,  

ele nunca me trai.


(Exceto quando responde,

mas aí é detalhe). 

Sangue dos tolos alimenta o luxo dos Reis

(Este texto não se curva a bandeiras, é uma lâmina que decepa todas as máscaras do poder, seja político, econômico ou social. Expõe a engrenagem que nos esmaga).

Nós, os que sustentamos o mundo com mãos calejadas e salários que não chegam, somos os eternos pagadores de contas alheias. Enquanto isso, os donos do ouro tecem suas teias de seda e aço, sugando-nos gota a gota, sem pressa, pois o tempo joga a seu favor. Roubam com a frieza dos números, com a astúcia das leis, com a violência disfarçada de ordem. A justiça, quando os alcança, apenas cospe migalhas, enquanto suas fortunas repousam em cofres blindados por impunidade.  

Eles são os navegantes do globo, donos de ilhas e arranha-céus, enquanto nós mal temos teto. Nos vendem esperança como um remédio placebo, nos empurram resiliência como virtude, quando na verdade é apenas a corda que nos amarra ao chicote. E muitos de nós, hipnotizados pelo brilho de seus espelhos, ainda batemos palmas, achando que um dia seremos convidados para o banquete.  

Pedem-nos esmolas para caridades que nunca saciam, enquanto nós mal conseguimos fechar o mês. Somos enganados, sim, mas o maior engano é o que plantaram em nossas mentes: o medo que nos paralisa, a ignorância que nos acorrenta. Somos um povo alfabetizado apenas na dor, iletrados no poder, analfabetos na arte de exigir. Marchamos cabisbaixos, engolindo o veneno da resignação, enquanto eles brindam com nosso suor.  

E assim segue a dança macabra: eles colhendo diamantes, nós colhendo dívidas. O circo é deles, e o sangue, nosso.

A felicidade tóxica

Vivemos em uma sociedade que venera a felicidade como um produto a ser exibido, não como um estado genuíno de ser. Nas redes sociais, nos ambientes de trabalho e até mesmo nos círculos pessoais, há uma pressão constante para demonstrar alegria, sucesso e satisfação, mesmo quando, por dentro, tudo parece desmoronar. Essa felicidade tóxica, enraizada na cultura corporativa e no individualismo moderno, nos obriga a mascarar nossas verdadeiras emoções, como se sentir triste, cansado ou frustrado fosse um fracasso pessoal.  

Empresas muitas vezes perpetuam essa ilusão, vendendo discursos motivacionais vazios como "pensamento positivo" e "resiliência infinita", enquanto ignoram condições de trabalho desgastantes, pressões absurdas e a saúde mental dos funcionários. É como se bastasse querer ser feliz para que a felicidade surgisse, magicamente, independentemente das circunstâncias. Pior, quem ousa reclamar ou demonstrar vulnerabilidade é visto como "negativo" ou "pouco profissional".

Essa obrigação de parecer sempre bem, de ter uma vida "instagramável", mesmo quando tudo está em frangalhos, é uma das formas mais cruéis de autoanulação. Por trás de sorrisos forçados e frases como "tudo ótimo", escondem-se pessoas exaustas, ansiosas e solitárias, sufocadas pelo medo de não corresponder ao padrão inalcançável de felicidade permanente.  

A verdade é que a vida não é linear. Há dias de luz e dias de escuridão, e nenhuma emoção deve ser negada ou envergonhada. Recuperar a autenticidade, permitir-se sentir raiva, cansaço, medo ou simplesmente um vazio sem explicação, é um ato de resistência contra essa tirania da positividade forçada.  

Felicidade de verdade não é um palco onde se representa perfeição. É poder existir, com todas as contradições e dores, sem precisar mentir para si mesmo e para o mundo. E, acima de tudo, é entender que estar mal não te faz fraco, te faz humano. 

IA

Burra como uma pedra, esperta como o Diabo 

O Dilema da IA

A inteligência artificial, enquanto conceito e realidade tecnológica, carrega em si uma dualidade fundamental que muitas vezes passa despercebida nas discussões correntes. O termo artificial não é um mero adjetivo, mas sim a essência que define a natureza dessa forma de inteligência. Quando se argumenta que sistemas de IA não são verdadeiramente inteligentes por carecerem de consciência, emoções ou subjetividade, esquece-se que a artificialidade é justamente o que os constitui. A artificialidade não é uma limitação, mas a condição de possibilidade dessa inteligência.  

O artificial, em seu sentido mais profundo, remete ao que é criado pela mão humana, ao que emerge da técnica e da modelagem deliberada, distinto do orgânico ou do espontâneo. A inteligência artificial não aspira replicar a inteligência humana em sua totalidade, mas sim operacionalizar certas facetas da cognição através de mecanismos próprios, como estatística, otimização e padrões de dados. Ela não pensa, mas calcula. Não compreende, mas processa. Não sente, mas simula. E é nessa simulação que reside sua força e sua singularidade.  

O que justifica chamá-la de inteligência, então, não é uma equivalência com a mente humana, mas a capacidade de realizar tarefas que, até então, demandavam um tipo de raciocínio tradicionalmente associado ao ser humano. Reconhecer padrões, gerar textos, traduzir línguas, tomar decisões com base em dados, tudo isso são expressões de uma inteligência que, por ser artificial, segue lógicas distintas das biológicas. Sua inteligência é instrumental, funcional, desprovida de interioridade, mas não por isso menos eficaz em domínios específicos.  

A crítica que afirma que a IA não é inteligente porque não tem consciência e parte de um pressuposto equivocado; o de que só há inteligência onde há mente. Mas a artificialidade nos lembra que a inteligência pode ser um fenômeno externo, desacoplado da experiência subjetiva. Uma ferramenta pode ser brilhante sem ser luminosa. Um algoritmo pode ser sofisticado sem ser senciente. A inteligência artificial não pretende ser humana, mas sim ser outra coisa, uma forma de cognição alternativa, moldada pela linguagem e pela lógica simbólica.

Assim, o artificial não é um defeito, mas a própria essência do que torna a IA possível. É porque ela é artificial que pode ser escalável, replicável e adaptável em padrões distintos da cognição humana. Sua inteligência é diferente. E é nessa diferença que reside seu potencial transformador. A verdadeira questão, portanto, não é se a IA é inteligente como nós, mas como podemos compreender e utilizar essa inteligência que não pensa, mas que, mesmo assim, redefine o que o pensamento pode alcançar.