Maria da Penha

Maria da Penha

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

O fundamentalista

 O indivíduo fundamentalista não debate, prega. Sua convicção não admite questionamentos, pois não há espaço para dúvidas em sua visão de mundo. Quando descobre uma nova teoria ou lê um livro que reforça suas crenças, sente-se investido da missão de convencer e converter. Para ele, discordar não é um direito, mas uma resistência à verdade que ele acredita possuir. Sua certeza é inabalável, não porque seja bem fundamentada, mas porque é impermeável a qualquer argumento contrário. Diante dele, qualquer tentativa de diálogo se torna um monólogo – e um monólogo onde apenas ele tem voz.

A única forma de escapar do ciclo exaustivo de suas pregações é concordar superficialmente e sair de cena. Não há espaço para reflexão conjunta, apenas para a submissão ou para a fuga.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Faces caídas

 No palco frio da hipocrisia,

amizades nascem sem raiz,
crescem à sombra da cortesia,
mas morrem sempre por um triz.

Sorrisos largos, gestos belos,
promessas feitas sem calor,
olhares falsos, frios, amarelos,
vestidos todos de impostor.

Enquanto a cena se desenrola,
fingem afeto, juram ser leais,
mas basta a queda da coroa,
e os rostos mostram seus sinais.

E quando enfim saio de cena,
o brilho some, não há mais voz,
a falsa amizade se condena,
só resta o eco do vácuo atroz.

Tantos anos, tantas trilhas,
e ainda assim não compreendi,
como há almas tão vazias,
que somem quando já não há o que fingir.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Libertação do ser

Quando o véu se esgarça,  

e o mundo perde suas cores emprestadas,  

a liberdade não é um rio,  

mas o oceano que não pede licença  

para ser vasto, profundo, salgado.  


Não há mais rédeas,  

nem mapas desenhados por mãos alheias.  

As regras, outrora prisões,  

agora são cinzas ao vento,  

e os valores, sombras desbotadas,  

refletem apenas o vazio que habita  

o cerne de tudo.  


É aqui, no abismo sem fundo,  

que o ser se revela:  

niilista, agnóstica,  

desnuda de certezas e dogmas.  

Não há mais o ter que,  

apenas o poder ser.  

E ser é existir sem véus,  

sem máscaras,  

sem a necessidade de pertencer  

a qualquer coisa que não si mesma.  


A liberdade chega como um silêncio,  

um eco que não responde,  

um horizonte que não promete.  

E no meio desse vazio,  

o ser se encontra,  

não como um ponto fixo,  

mas como uma dança contínua,  

uma chama que arde sem motivo,  

sem destino,  

apenas porque existe.  


E assim, no caos da existência,  

no deserto sem deuses ou sentidos,  

o ser se faz inteiro,  

não pelo que tem,  

mas pelo que é:  

livre,  

desamarrada,  

e infinitamente sua.  


Maria da Penha Boina Dalvi 

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

 

Por que os homens criaram deuses? E os deuses, teriam também um deus?

Desde os primórdios, o homem olha para o céu e vê o desconhecido. A lua que cresce e mingua, o trovão que rasga a noite, o sol que some no horizonte e sempre retorna. O fogo que aquece, mas também devora. O mar que acalma, mas também engole. Diante do caos e da incerteza, a mente humana cria sentido onde há mistério. Assim nasceram os deuses.

Os primeiros deuses foram forças da natureza personificadas. O trovão virou Zeus, o sol tornou-se Rá, os rios sagrados ganharam espíritos guardiões. O homem atribuiu vontades e humores às forças que não podia controlar, esperando aplacá-las com preces e sacrifícios. O medo do desconhecido deu origem ao divino.

Com o tempo, os deuses deixaram de ser apenas manifestações naturais e passaram a refletir as próprias contradições humanas. Tornaram-se reis nos céus, guerreiros, juízes, arquitetos do destino. A religião passou a ser mais do que um consolo — virou poder. Quem falava em nome dos deuses falava em nome da ordem. Ditava leis, justificava conquistas, controlava povos.

Mas se os homens criaram deuses para dar sentido à vida, será que os deuses também criaram seus próprios deuses? Se existissem, teriam as mesmas dúvidas? Olhariam para além de seus reinos divinos e se perguntariam quem os fez? Talvez o próprio conceito de divindade seja uma ilusão em cadeia infinita, onde cada ser superior se vê pequeno diante de um mistério maior.

Ou talvez o último deus da sequência seja o próprio vazio — aquele que não tem quem o criou, mas que é a origem de todas as perguntas.

O peso do medo

 Dizem que há sombras na esquina,

sussurros frios na neblina,
olhos que espreitam na escuridão,
mãos que apertam sem compaixão.

Tranque as portas, feche o peito,
dobrem-se ao fardo do preceito.
Há sempre um monstro à espreita,
um castigo para a alma imperfeita.

No deserto, a voz bradou:
“O mar se abre a quem rezou!”
E os que duvidam, sem piedade,
são tragados pela tempestade.

Na fogueira, a chama dança,
queima o corpo, apaga a esperança.
A fé impõe o seu decreto:
“Negue-me e prove do inferno certo.”

Coroas brilham, aço brande,
o medo cresce e nunca expande.
Pois só se vê o que convém,
quem dita a lei nos faz refém.

Um novo rosto, um novo nome,
sempre há um lobo em meio ao homem.
Ora justiça, ora nação,
ora inimigo, ora oração.

E assim seguimos, sem acerto,
livres no corpo, presos por dentro.
Grades que o tempo não desmancha,
o medo pesa... e nos amansa.

domingo, 26 de janeiro de 2025

Espelho partido

 Nasci sob o brilho de um espelho dourado,

Que refletia o mundo como ela queria.
Mas a luz, tão falsa, trazia ao meu lado
Sombras que o amor nunca preencheria.

Sua voz era um cântico enfeitiçado,
Ressoando louvores a si, tão vazios.
E eu, pequena, em seu mundo moldado,
Afogava-me em mares frios.

Seu olhar me feria com indiferença,
Como quem vê o outro e nada enxerga.
Eu buscava seu amor, mas na ausência
Só via a máscara que nunca se entrega.

Minha dor era calada, um grito mudo,
Pois quem ousaria a verdade contar?
Que o colo materno, tão profundo,
Era um abismo pronto a devorar.

Eu, folha caída ao vento cruel,
Tentava brotar em terra estéril.
Mas ela, rainha de um falso céu,
Pisava meus sonhos com garras de ferro.

Hoje carrego cicatrizes invisíveis,
Marcas de uma luta que ninguém vê.
Pois ser filha de quem ama impossíveis
É aprender a amar sem nunca receber.

Mas há força no pranto que em mim brotou,
Raízes que nasceram do chão quebrado.
E o que ela negou, a vida me ensinou:
Sou inteira, mesmo no espelho rachado.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

A trama da lógica

A trama da lógica
Por Maria da Penha Boina Dalvi

Sou tecelã de números e padrões,
na trama acadêmica, linhas exatas.
Nas salas, moldo mentes, multidões,
com a régua precisa da ciência abstrata.

Estatística é meu fio, firme e tenso,
cada ponto amarra um mundo a decifrar.
Nos sistemas, o entrelaçar é imenso,
um tear de dados que insiste em falar.

A pesquisa operacional, tão geométrica,
é bordado de lógica, sem desvio.
Problemas são retalhos, resposta métrica,
um corte exato, traçado com brio.

E nos momentos de agulha e silêncio,
a costura reflete a precisão que almejo.
Pontilhados são algoritmos em consenso,
um amigurumi que segue o mesmo ensejo.

Cada laçada é hipótese a testar,
cada nó, uma incógnita revelada.
Minha paixão reside em desenhar
o mundo com linhas, em ordem traçadas.

Assim, ensino a pensar, a tramar,
em tecidos de ideias e conexões.
Sou artesã e mentora, a costurar
futuro em mentes e transformações.